quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Tropa de Elite




Título Original: Tropa de Elite
Realização: José Padilha
Ano: 2007


Urso de Ouro no Festival de Berlim e sucesso garantido mesmo antes de estrear, Tropa de Elite chega-nos do Brasil com o rótulo de filme-sensação, na senda do fantástico "Cidade de Deus". E para aumentar a curiosidade, nem falta a polémica: alguns espectadores aplaudem fervorosamente, outros, chocados, consideram uma incitação à violência mais primária e saem a meio. Não se pode agradar a gregos e a troianos, e José Padilha nem parece ter-se preocupado muito com isso. Pelos lados de cá o tema ainda é visto como algo que não nos afecta, do qual guardamos certo distanciamento. Por essa razão, conseguimos com mais facilidade analisar o filme pelo filme, friamente e deixando de lado as nossas emoções e opiniões pessoais. Mas vamos pelo princípio.

Tropa de Elite passa-se nas favelas do Rio de Janeiro, as mesmas favelas (ou então muito parecidas) de "Cidade de Deus". Mas tem uma grande diferença: o foco da atenção não é dado às pessoas e traficantes que lá vivem, mas à polícia que tem a quase impossível missão de pôr ordem no assunto. E não se trata de uma polícia qualquer, mas de uma "tropa de elite" que os próprios polícias normais temem: os BOPE. E os BOPE não são para brincadeiras, quando entram nas favelas é para usar de todos os meios, independentemente de quais sejam, para atingir os seus fins. Traficante é traficante, guerra é guerra, e não há lugar para contemplações ou dúvidas. Para os BOPE só existem dois tipos de pessoas, os que estão com eles e os que não estão. No meio não está a virtude. Como afirma o Capitão Nascimento (Wagner Moura), que faz de narrador, se o BOPE não existisse, a cidade toda estava entregue aos traficantes.

José Padilha tem um passado ligado à área documental, e essa vertente não passa nada despercebida. O filme é um retrato duro, cru e realista sobre a vida, o trabalho e os problemas pessoais destes homens proibidos de ceder à fraqueza. A brutalidade usada pelos BOPE, que para apanhar os traficantes puxa dos mesmos métodos que este, não é aligeirada nem disfarçada. Ao mesmo tempo, leva-nos numa viagem ao centro das teias da burocracia e da corrupção existentes na polícia regular, teias essas que impedem quem quer trabalhar honestamente de o fazer. Sem meias-palavras nem floreados, Padilha mostra-nos o pior do sistema através do seu interior.

O que o filme tem de menos interessante acabam por ser as próprias personagens. O Capitão Nascimento, casado e esperando um filho, acha que é o momento certo para a retirada. Está cansado, e a mente começa a ceder. No entanto, não quer abandonar sem ter a certeza de encontrar alguém com qualidades para o substituir. E as qualidades são ser frio, profissional e impiedoso. Neto (Caio Junqueira) e Matias (André Ramiro) são os candidatos para lhe suceder. Neto tem a mentalidade de uma máquina de matar, mas falta-lhe a inteligência. Matias tem a inteligência, mas falta-lhe a mentalidade. No geral são personagens sem densidade, que apenas estão lá para servir um papel e pouco mais, o que interessa á a acção.

Outro dos problemas é que o filme não tem uma mentalidade tão aberta quanto isso. Mostra a tomada de posições e o uso da violência dos BOPE como inevitável, e quem ataca esta posição é visto como um idealista mimado que nem sequer sabe o que é a vida nas ruas. Não me parece que seja uma decisão propositada do realizador ou que seja um espelho da sua opinião pessoal, mas uma vez contada a narrativa do lado da policia, o extremar de posições é difícil de evitar. Alias, essa é uma das principais características dos BOPE. Num país onde nada funciona, são obrigados a tornar-se autómatos para sobreviver, num processo onde o discernimento tem de ficar pelo caminho. Guerra é guerra.

Não se trata de uma continuação de "Cidade de Deus", mas tem algumas semelhanças. O tipo de edição, o ritmo, o ambiente de favela e mesmo alguns dos profissionais, entre eles o co-argumentista, são os mesmos. Mas Tropa de Elite é muito mais obscuro e fatalista. A música é pesada, a simbologia parece tirada do Rambo. Não há personagens simpáticos ou com um fundo bom. Entre polícia e bandido, a diferença não é assim tanta. Em certos pontos, o filme é portentoso e põe-nos o coração a bater mais forte, puxa-nos para a espiral de violência. Nós próprios, como espectadores, damos por nós a perder o discernimento. Não considero que glorifique a violência nem ela se torna no mais importante, é apenas a única solução. Quem for para a sala de cinema de mente aberta e deixar as ideias feitas do lado de fora, arrisca-se a uma agradável surpresa. Não está ao nível de "Cidade de Deus", mas é sem dúvida um dos melhores filmes do ano. A não perder.

Classificação: 7/10

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