quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Aquele Querido Mês de Agosto



Título Original: Aquele Querido Mês de Agosto
Realização: Miguel Gomes
Ano: 2007

Quem não tem cão caça com gato. Deve ter sido algo parecido que Miguel Gomes pensou quando, por dificuldades financeiras, se viu obrigado a adiar as filmagens deste filme - programado para ser uma ficção, com guião escrito e tudo - por tempo indeterminado. Pegou então numa equipa de produção e viajou para Arganil, com o objectivo de captar imagens que depois utilizaria para o filme propriamente dito. Mas as histórias que encontrou foram tão fantásticas que não podiam ficar de fora. Resultado: um filme onde o documentário se confunde com a ficção, e onde a própria equipa de filmagem e o processo de realização é mostrado por dentro. Pelo meio, já mal distinguimos se os actores estão a encarar uma personagem, se são eles próprios a falar. Uma autêntica manta de retalhos que, surpreendentemente, funciona muito bem. A necessidade aguça o engenho e, neste caso, o que poderia ser mais um filme sem notoriedade transformou-se, juntamente com Alice, no melhor filme português dos últimos tempos.

Aquele Querido Mês de Agosto é um filme tão tipicamente português como o bacalhau ou o azeite. É o retrato de uma das faces de Portugal, o Portugal do interior, profundo e esquecido. Em extinção. No mês de Agosto, os emigrantes regressam de França às suas terras de origem e multiplicam-se os bailaricos de verão, as festas e os namoros de ocasião. Foi isto que Miguel Gomes filmou e tão habilmente nos mostra. A primeira parte é quase exclusivamente constituída pela parte documental, com a introdução aos grupos de música ligeira (pimba é palavra odiada), às gentes e às histórias de Arganil, onde por vezes a verdade se mistura com o mito. Destaque para as aventuras de Paulo "Moleiro", o herói/bêbado local que todos os anos, por alturas do Carnaval, se atira da ponte, para delírio da população. Ou para o relato que uma habitante faz acerca da reacção assustada da população ao facto do namorado plantar tomates no jardim nu e de machado na mão.

Como documentário é formidável. Ouve as pessoas e transmite as suas histórias. Com planos longos e fixos permite-nos assimilar o ritmo a que os acontecimentos se desenrolam. Como tenho ouvido por aí, assemelha-se em certos aspectos a um episódio da liga dos últimos, onde com humor se procura o lado humano e caricato das pessoas. Mesmo para quem vive num contexto mais urbano e encara tudo isto com um olhar exterior, é impossível não sentir proximidade e ligação com a realidade destes habitantes, porque são também as nossas raízes.

A meio do documentário Miguel Gomes vai inserindo partes do processo de rodagem e da ficção, numa estrutura típica de filme dentro do filme. Aqui, no entanto, as coisas já não correm tão bem. Hélder (Fábio Oliveira) e Tânia (Sónia Bandeira) são dois primos que pertencem a uma banda de música ligeira e se partilham um amor secreto. Mas os obstáculos acumulam-se: o pai de Tânia não vê com bons olhos o facto de ter de dividir a filha com outro homem e os pais de Hélder pretendem levá-lo consigo para viverem juntos em Estrasburgo. Os actores (não profissionais), com excepção de Sónia Bandeira, não são nada de especial e a história vai-se arrastando sem grandes motivos de interesse ou carga dramática. Apenas por uma altura, numa sessão de música ao desafio onde as acusações são proferidas em forma de verso, parece que o rumo vai alterar, mas logo depois volta ao estilo "não anda nem desata".

Outro dos factores negativos é a duração. Cerca de duas horas e meio é um completo exagero e, embora os minutos passem relativamente bem, no fim torna-se cansativo e monótono. Um pouco mais de trabalho de tesouro na pós-produção só traria vantagens. Nada que estrague o trabalho anterior, mas é um erro que se repete por demasiadas vezes . Um dos principais objectivos da arte, no meu entender, deve ser o de não aborrecer. Passar as duas horas só se houver óptimas razões para isso. E aqui elas não existem.

Estivesse a ficção ao nível do documentário e tínhamos em mãos uma obra memorável. Não quer isto dizer que seja dispensável e que o filme estaria melhor limitando-se ao documentário. A ficção desempenha a importante tarefa de nos fazer aproximar das personagens e criar empatia com a ruralidade de Arganil, até chegarmos ao ponto de darmos por nós a apreciar a música de Dino Meira. Se podia haver ainda alguma distância entre grande parte do público e a realidade representada, rapidamente desaparece.

Última nota relativamente às criticas de paternalismo e altivez citadina que o filme, e Miguel Gomes em particular, têm recebido. Que, num filme tão verdadeiro e de certa forma inocente e bem-intencionado, se consiga descortinar uma ridicularização e exploração de vidas alheias, diz mais sobre quem assim pensa do que sobre o filme em si. Como um amigo meu costuma dizer, é a velha questão da expressão "mimi apita aqui": só vê maldade quem quer e já tem o pensamento nisso. A todas essas pessoas aconselha um segundo visionamento do filme e pode ser que, encarando-o noutra perspectiva, descubram que é mais o que temos em comum do que o que nos distancia de Arganil.


Classificação: 7/10

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