quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Por Favor Rebobine




Título Original: Be Kind Rewind
Realização: Michel Gondry
Ano: 2007


Não só com as palavras Charlie Kaufman se escreve o talento de Michel Gondry. Esta é apenas a primeira das boas novidades que este filme nos traz. Be Kind Rewind deixa a imaginação e a nostalgia à solta, recordando-nos os nossos sonhos de criança e a ingenuidade de quem insiste em não deixar o tempo passar. Pelo menos, não sem dar luta. É delirante, hilariante e a espaços dramático e comovedor. Com o acento tónico na criatividade, mostra como com pouco é possível fazer-se muito. Após o fantástico e inigualável Eternal Sunshine Of The Spotless Mind, é de saudar o regresso à excelente forma de Michel Gondry. As comparações, no entanto, deixem-as por casa: trata-se de duas obras em quase tudo distintas.

A tecnologia atropela-nos a todos. O que hoje é bom, amanhã é obsoleto, o que hoje é verdade, amanhã pode muito bem ser mentira. De tantas mudanças e de tão veloz ritmo a que acontecem, por vezes só nos apetece pedir um desejo: que por uns instantes, pequenos que sejam, fique tudo na mesma. Com a entrada dos dvd´s no mercado, o VHS, rei e senhor durante os 80´s, viu os dias contados. No entanto, as memórias dos tempos de rebobinar cassetes antes de as entregar no videoclube, para evitar a multa, não desaparecem com tanta facilidade. É por essa razão que em Passaic, New Jersey, um pequeno clube de vídeo de bairro, o Be Kind Rewind, insiste em preservar a simplicidade. Antigo lar de um lendário cantor jazz, Fats Waller, cuja música e espírito ainda se sente no ar, dvd´por ali, nem sonhar em vê-los.

Mas nem tudo corre como previsto na Be Kind Rewind. O prédio onde se encontra necessita de obras urgentes e a câmara tem um projecto em andamento para se apropriar do prédio e destruir a loja, em detrimento de uma fachada mais moderna. Mr. Fletcher (Danny Glover), o dono, necessita de gerar lucros urgentemente para proceder às obras. Parte então numa viagem de reconhecimento das necessidades do mercado, analisando o porquê de não conseguir vendas significativas. Entretanto, Mike (Mos Def), o empregado, fica encarregue de gerir o negócio. Simples e inocente, procura reunir todos os esforços para não desiludir Mr. Fletcher, mas o azar parece destinado a tramá-lo.

Jerry (Jack Black) é o mecânico local, ligeiramente maluco e com propensão para os desastres. Paranóico com a rede de cabos de alta tensão na cidade, que pensa estar a controlar-lhe a mente, acaba por apanhar um choque eléctrico ao tentar desligá-la. Magnetizado, apaga inadvertidamente todas as cassetes de vídeo na Be Kind Rewind, para desespero de Mike. E quando Miss Falewicz (Mia Farrow), amiga de Mr. Fletcher e uma cliente habitual, pretende alugar o filme Ghostbusters, só lhes sobra uma solução: pegarem na câmara e filmarem-no eles mesmo. Com sorte, pensam, ela nem dá pela diferença.

É a partir deste momento que a verdadeira loucura se inicia. Todos os meios valem, qualquer pessoa é um actor. “Driving Miss Daisy,” “Rush Hour 2” ou o "Rei Leão". O importante é acabar as filmagens a tempo e horas. Mais espectacular ainda é que é visível que Jack Black e Mos Def estão realmente a divertir-se com tamanha insanidade. Com a ajuda de Alma (Melonie Diaz), uma empregada da lavandaria arrancada à força do trabalho para as filmagens, a reencenação de filmes clássicos parece não ter fim. Por estranho que pareça, os filmes são um sucesso e Mike e Jerry tornam-se as estrelas locais.

Em certos aspectos, Be Kind Rewind é uma fábula enternecedora, um reviver dos tempos do VHS, em que os filmes se tornaram acessíveis e serviam como um meio de união entre as pessoas, de imaginação e de escape. É uma luta contra o tempo, que as personagens sabem perdida, mais cedo ou mais tarde. O que não as faz desistir, mas aprender a aproveitar o que resta. Até o título, para os mais distraídos, chama para tempos idos: Be Kind Rewind.

O espírito é de diversão, a pura e simples diversão. É o que o cinema deve ser e o que importa para as pessoas. Acima de efeitos especiais, argumentos complicados ou orçamentos chorudos. Quem adora cinema, quem cresceu a ver cinema, vai de certo identificar-se com o filme e perceber do que estamos a falar. Michel Gondry, de quem sou fã mais que confesso, volta a criar um ambiente de magia narrativo e visual que, actualmente, é único. Outra coisa que o cinema deve ser, único.

Com um equilíbrio incrivelmente conseguido em termos de humor e nostalgia, é capaz de, num momento, nos fazer rir à gargalha de invenções tão geniais e amadoras como o raio laser dos Ghostbusters feito de serpentinas, e de seguida, nos mostrar como a vida desafia cruelmente os que se recusam a obedecer às leis do tempo. O ponto de vista inocente das personagens aquece-nos o coração e faz-nos sentir parte da comunidade, e conseguir ver a cena final sem nos deixarmos comover, por pouco que seja, é digno de um rochedo centenário e bem fixo à terra. Deixar passar este filme é um pecado que, acreditem em mim, não querem cometer. Pelo menos se adoram cinema.

Classificação: 10/10

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