segunda-feira, 15 de setembro de 2008

O Sabor do Amor




Título Original: My Blueberry Nights
Realização: Wong Kar Wai
Ano: 2007

De falta de pontaria Wong Kar Wai não se pode queixar. Logo no seu primeiro filme rodado na América, com um elenco inteiramente americano e inglês e falado em língua inglesa, espalhou-se totalmente ao comprido. Os antecedentes de Kar Wai, esses, não enganam: o homem sabe mesmo o que faz. Com um estilo visual único, é um especialista em observar a vida através de momentos, texturas, neons perdidos ou slow motions cobertos por músicas nostálgicas (quem não se lembra da banda sonora de Nat king Cole, em "In The mood for love"). O controlo da linguagem visual está-lhe no sangue, não deixa um plano por pensar, baralha as imagens e volta a dar, sabe mexer-nos os sentimentos. A principal força de Kar Wai, que o tornou num ícone do cinema, é essa mesmo, a de contar histórias por fragmentos dispersos, libertos, poéticos.

É por isso natural que as expectativas fossem altas, mas infelizmente não se vieram a confirmar. Por muito que custe aos fãs do realizador chinês (nos quais me incluo) admitir, "My Blueberry Nights" é um filme muito fraquinho. Se calhar muito fraquinho até é um elogio. As características dos seus filmes anteriores estão todas lá: uma história melancólica, personagens solitários em sofrimento, amores mal resolvidos, uma atmosfera nostálgica, olhares que substituem as falas, o sugerir em detrimento do mostrar. A diferença é que aqui nenhum destes aspectos funciona, e quando assim é só servem para irritar e piorar a situação.

O problema principal é que o filme não arranca, as personagens roçam a banalidade e o patamar de beleza e magia que Kar Wai ambicionava atingir ficou-se por palavras soltas e sem sentido, desprovidas de contexto. Dos actores é que ninguém se pode queixar, com interpretações fantásticas, na medida do possível, de Norah Jones, Jude Law, Natalie Portman e Rachel Weisz. E a mudança da acção das ruas de Hong Kong para Nova Iorque e para o interior da América, com os seus bares, restaurantes e casinos, também resulta muito bem, o que só faz imaginar ainda mais a fantástica obra que Kar Wai, se inspirado, podia ter feito.

"My Blueberry Nights" é descrito como um "road movie", mas na verdade só o é a partir de metade do filme. Até esse ponto, acompanhamos a aproximação amorosa entre Jeremy (Jude Law), um inglês proprietário de um café em Nova Iorque, e Elizabeth (Norah Jones na sua estreia como actriz), uma rapariga ingénua com o coração destroçado após romper a relação com o namorado de longa data. Elizabeth, a necessitar de desabafar, deambula pelo café de Jeremy durante a noite, e os dois estabelecem uma intimidade muito especial. No meio de tudo isto, Elizabeth torna-se adoradora da tarte de mirtilo (Blueberry pie) de Jeremy, uma metáfora pouco conseguida para a solidão. A história esgota-se rápido e o tempo demora muito, muito a passar.

Até que Elizabeth decide fazer-se à estrada e mudar a sua vida, enfrentado-a de frente. Mete-se numa camioneta e parte para Memphis, onde trabalha num café de dia e num bar durante a noite. É aí que conhece Arnie (David Strathairn), um polícia alcoólico e solitário, incapaz de aceitar o fim do casamento com a sua ainda mulher, Sue Lynne (Rachel Weisz). Arnie frequenta os dois estabelecimentos onde Elizabeth trabalha, e desabafa com ela por diversas vezes. O que era suposto ser um trágico conto amorosa, capaz de tocar ao coração de uma pedra, acabou por se revelar uma história manca e frouxa, com vários aspectos mal explorados e situações pouco inverossímeis.

Adiante. Elizabeth abandona Memphis e segue viagem para Nevada, onde arranja trabalho a servir bebidas num casino. Leslie (Natalie Portman num estilo muito "cool") é uma jogadora de póquer que aprendeu tudo o que sabe com o pai. É atrevida, aventureira e gaba-se de saber ler as emoções nas pessoais e de não confiar em ninguém, incluindo ela própria. Ou seja, é tudo o que Elizabeth não é. Depois de alguns incidentes, as duas partem juntas para Las Vegas numa viagem de carro, onde cada uma procura perceber que emoções se escondem por detrás das capas exteriores. Ambas têm algo que necessitam de aprender com a outra, e é esse o princípio da sua amizade.

Mas esta história também não escapa ao vulgar, e fica de nova a sensação de que o que sobra em maneirismos falta em substância. Kar Wai não sabe filmar as suas personagens sem lhe dar o toque pessoal. Seja um desfoque, uma luz, um vidro. E se esse aspecto vai funcionando enquanto o filme se passa em Nova Iorque, perde completamente o interesse quando se desloca para as grandes planícies americanas. Junta-se-lhe a falta de consistência do argumento e temos uma segunda parte de filme bem aborrecida.

O melhor do filme ficou guardado para o cameo de Chan Marshall, mais conhecida entre nós como Cat Power. É um daqueles momentos que nos faz recordar a beleza que, se bem feito, pode ser o cinema. Embora sejam só 2 ou 3 minutos, compensa o investimento inteiro. Assim fossem os outros 87 minutos...

Classificação: 3/10

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