quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Estrela Solitária



Título Original: Don't Come Knocking
Realização: Wim Wenders
Ano: 2006

Em 1984, Wim Wenders e Sam Shepard uniram esforços para uma aventura épica pelas paisagens desérticas e áridas da América profunda. "Paris, Texas", magnífico filme sobre um homem obrigado a lidar com as feridas profundas de um passado cheio de sonhos perdidos, saiu de Cannes com a palma de Ouro. Vinte e dois anos depois, a receita repete-se em "Don´t Come Knocking", com a dupla Wenders/Shepard a procurar o brilho de outros tempos. O resultado é em vários aspectos idêntico, repetindo-se temáticas e ambientes, mas o "refogado" já não é da mesma qualidade.

Howard Spence (Sam Shepard) é um outrora famoso actor de westerns, cuja popularidade se perdeu com o passar dos tempos e com o consumo abusivo de álcool, entre outros vícios. O típico "has been". Durante a gravação de um filme que, pela amostra, tem todas as condições para se tornar mais um falhanço numa carreira que se arrasta, Howard decide abandonar as gravações e partir em busca de algum sentido na sua vida. No seu estilo "cowboy", parte num cavalo com direcção incerta, deixando os produtores do filme à beira de um ataque de nervos.

Sem destino certo na fuga, Howard pensa ser a altura ideal para visitar a mãe (Eva Maria Sain) que já não vê à cerca de trinta anos, numa cidade perdida no Nevada. E é a mãe que lhe revela, inocentemente, que tem um filho já adulto de uma relação antiga, mantida durante a gravação de um filme em Montana. Incapaz de ignorar este facto, Howard parte em busca do filho e da antiga namorada.

Don't Come Knocking é um filme cuja acção de passa no presente, mas tudo evoca tempos antigos. Desde os cenários desérticos, passando pelo ritmo lento a que as personagens se movem ou ao livro de recortes que a mãe de Howard guarda com as notícias sobre o filho. Numa das melhores cenas do filme, Howard senta-se junto à janela, com o néon gasto de um casino a brilhar sobre ele. É deste material que o filme é feito, personagens gastas em busca de bocados do passado que parecem cada vez mais distante.

Entretanto, Howard encontra o filho Earl (Gabriel Mann), a antiga namorada Doreen (Jessica Lange) e ainda uma outra filha de que desconhecia a existência, Sky (Sarah Polley). Mas as coisas não estão fáceis para o seu lado. Com a excepção de Sky, que sonha em conhecer o pai e deambula pelo filme sempre com um ar inocente e conciliatório, nem Earl nem Doreen vêem com bons olhos a visita surpresa de Howard. O resto do filme contempla os esforços de Howard para se reconciliar com a família, e pouco a pouco vai conseguindo atingir os seus objectivos. Mas a verdade é que não existem esforços suficientes que façam o tempo andar para trás. Quando Howard, numa tentativa de encontrar alguma estabilidade na sua vida, pergunta a Doreen se quer voltar para ele, a gargalhada que obtém como resposta é esclarecedora.

O trabalho de fotografia é fantástico, retirando por vezes o foco às próprias personagens. A beleza visual confere-lhe um carácter romântico e nostálgico que, numa obra claramente imperfeita e irregular, é meio caminho andado para se apreciar o filme. O próprio facto de Sam Shepard ter passado tanto tempo a participar em filmes de qualidade duvidosa dá-lhe uma visão mais esclarecedora do que é sentir-se uma estrela fora do seu tempo. E essa experiência pode ter contribuído para a qualidade do guião que escreveu e da sua performance no ecrã.

Don´t Come knocking é capaz de nos entreter, mas incapaz de nos ligar realmente à história e às personagens. Será por certo rapidamente esquecido, se é que já não o foi pela maior parte das pessoas, mesmo as que o viram. Não deixa por isso de ser uma daquelas obras nostálgicas que, sem ser nada de espectacular, nos fazem passar um bom bocado na sala de cinema. Wim Wenders e Shepard nem parecem ter-se preocupado por aí além em fazer um filme perfeito, ou em fazer com que todas as cenas resultassem em cheio. E quem for também capaz de apreciar a imperfeição, não dará o tempo por perdido.

Classificação: 6/10

1 comentário:

Unknown disse...

Excelente texto (e concordo com ele)