quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O Segredo de um Cuscuz




Título original: La Graine et le Mulet
Realização: Abdel Kechiche
Ano: 2007

Abdel Keniche é um realizador de origem Tunisina, mas radicado em França desde muito novo. Não é por isso de estranhar que os seus filmes tenham como tema a experiência dos emigrantes árabes na França e a complexidade da sua adaptação ao território. Neste "O Segredo de um Cuscuz", o protagonista é Slimane Beiji (Habib Boufares), um homem na casa dos 60 anos que, depois de toda uma vida a trabalhar no cais a reparar barcos, é considerado dispensável pelos patrões. Os argumentos que lhe apresentam são simples: está velho, é lento e deixou de ser rentável. Encurralado por esta situação e a necessitar desesperadamente de um ganha pão, Slimane decide tentar concretizar um sonho, o de abrir um restaurante.

Mas a luta de Slimane por ultrapassar os obstáculos necessários para conseguir levar para a frente a ideia do restaurante está longe de ser o tema principal. Pelo contrário, funciona apenas como motor para apresentar as realidades sociais e pessoais da comunidade magrebina no geral, e desta família em particular. O ritmo do filme é lento, dolorosamente lento, as cenas correm por demasiado tempo, os diálogos e situações são do mais trivial que se imagine e os close-ups constantes. Tudo isto junto contribui para um realismo de certo modo apelador, mas também a um certo desequilíbrio dramático e a espaços alieanador.

Slimane é uma pessoa triste e conformada que vive num quarto do hotel cuja dona é a sua namorada, Latifa (Hatika Karaoui). Latifa tem uma filha, Rym (Hafsia Herzi), que considera Slimane seu pai e que lhe dá preciosas ajudas durante todo o filme. Souad (Bouraouia Marzouk) é a ex-mulher de Slimane e os filhos ainda acreditam numa reconciliação entre os dois. Quase nenhum dos filhos aceita a relação entre o pai, Slimane, e Latifa. Mas chega de falar das personagens e das relações entre elas, que, alias, são tantas que não saiamos daqui.

O mais importante não é a história nem as voltas (poucas) que ela dá, mas sim mostrar a luta diária destas pessoas, pegar num pedacinho das suas rotinas e expô-las no ecrã. É um filme duro e a exigir estômago, com uma banda sonora praticamente inexistente e uma banalidade que nos leva quase ao desespero. O milagre aqui é que, perante este estilo narrativo, primeiro estranha-se e depois entranha-se. Ou seja, no início só nos apetece sair porta fora e maldizer o dinheiro dado pelo bilhete, mas conforme o tempo vai passando vamo-nos habituando às personagens, aos seus tiques e às suas particularidades, identificamo-nos com elas e já não as queremos deixar. Mais importante, revemo-nos nas suas discussões insignificantes e no intimismo delas reconhecemos algumas das nossas próprias quezílias familiares.

É um filme naturalista cheio de potência dramática, que exige um pouco de paciência mas que acaba por compensar. Infelizmente, como já referi, a sua maior força é também a maior fraqueza. Estende-se por demasiado tempo (cerca de 2h e 30m) e não é um género que chame muitos adeptos. É um daqueles filmes que vemos uma vez na vida, mas nunca pensamos em revê-lo. Mas não deixa por isso de ser um retrato pungente da vida de uma população que não vive adaptado ao pais que os adoptou, que não consegue deixar a classe baixa, dos empregos instáveis e não-qualificados.

Por tudo o que referi, "O Segredo de um Cuscuz" é um filme muito conseguido, com grandes interpretações e uma grandeza que só não é maior por ter um final completamente desastroso. Não fosse esse facto, e estávamos perante uma obra quase perfeita, dentro do seu estilo. Assim sendo, não se consegue evitar uma pequena sensação de vazio ao abandonar a sala.

Classificação: 6/10

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