sábado, 13 de dezembro de 2008

Amália



Título Original: Amália, O Filme
Realização: Carlos Coelho da Silva
Ano: 2008

Segundo as informações veiculadas pela imprensa, "Amália" teve um orçamento a rondar os três milhões de euros, o mais caro de sempre na cinematografia nacional. Surgiu assim logo à partida como um projecto ambicioso, beneficiando também da vantagem de ir à boleia da imagem de um dos principais ícones do nosso país. Com uma forte tendência comercial e com o objectivo declarado de atingir os 200 mil espectadores, esperava-se que fosse uma boa oportunidade de conciliar o grande público com um cinema nosso, feito por nós e sobre a nossa gente. Esperava-se, mas não foi isso que aconteceu. Na verdade, é um filme sem ponta de sentido e incapaz de chegar aos calcanhares da grandeza da personagem que retrata. Daria vontade de rir, se não desse vontade de chorar o dinheiro do bilhete.

Quando se começa a construir um edifício pelo telhado, é garantido que mais tarde ou mais cedo irá ruir por completo. O mesmo acontece neste filme: com um guião de um amadorismo confrangedor, até patético, deita logo por terra qualquer tentativa de retirar algo de relativamente decente deste projecto. Diz aquela velha máxima do cinema que "é possível fazer um mau filme com um bom argumento, mas é impossível fazer um bom filme com um mau argumento". Se tivesse sido dada mais atenção a esta frase, se houvesse mais cuidado na elaboração de uma história com o mínimo exigível em termos de qualidade e densidade dramática, agradeceriamos imenso.

Não sei o que terá passado pela cabeça dos produtores para dar luz verde a um guião com tamanhas lacunas. Não sei, mas imagino. Parece-me que depois do sucesso de "O Crime do Padre Amaro", se criou a ilusão de que o público come tudo o que lhe é dado e no fim ainda se sai a rir. Basta pôr meia dúzia de actores conhecidos, um formato de telefilme que as pessoas já não estranham, fazer uma boa promoção do filme, se possível inserir um par de mamas e o retorno do investimento está garantido. Mas fazer bons filmes exige bem mais do que isso. E para se criar uma franja de público interessada e fiel, capaz de constituir um mercado para o nosso cinema, é preciso que este seja respeitado. No entanto, "Amália" é um autêntico atentado à inteligência do público. À primeira todos caem, à segunda cai quem quer e à terceira só quem é burro. A mim é que já não me voltam a apanhar numa destas.

"Amália" é um biopic sobre a vida excessivamente atribulada de uma das nossas principais artistas. Começa em Nova Iorque, em 1984, quando Amália, velha e isolada, se tenta suicidar atirando-se da janela do seu apartamento. Entretanto, vamos revendo os momentos mais marcantes da sua vida, começando pela infância, quando o seu espírito rebelde se começava já a demonstrar. Para além dos momentos de angústia em Nova Iorque, outra cena recorrente durante é o concerto de Amália no Coliseu no conturbado período pós-25 de Abril, onde enfrentou a fúria dos manifestantes pela sua alegada proximidade com o antigo regime.

Mas tudo é uma anedota pegada. Não existe uma linha narrativa que interesse tenha, uma personagem com quem possamos simpatizar. Os diálogos soam mais a falso do que o meu novo anel de ouro de 24 quilates, e os momentos embaraçosos repetem-se até à exaustão. A certa altura do filme a confusão é tal que já nem reconhecemos quem são as personagens nem como é que elas ali foram parar. E o pior é que Carlos Coelho da Silva e companhia não fizeram por menos: o filme tem a duração de mais de duas horas(!!!), vá-se lá perceber o porquê de sujeitar o público a tamanho teste à força de vontade.

E se o argumento é pior que mau, a realização também não se pode ficar a rir. A sonoplastia tem falhas de fazer arrancar os cabelos à força e alguns planos e sequências de imagem até provocam um arrepio gelado na espinha. Com tanto dinheiro envolvido, um pouco mais de talento era o mínimo que se podia exigir. Quanto aos actores, fizeram o que é possível: se o barco vai perdido no meio do Oceano, não são eles sozinhos que vão conseguir dar ao remo até à costa. Sandra Barata Belo tem uma participação positiva, assim como António Pedro Cerdeira ou Carla Chambel. Depois temos pormenores especialmente horripilantes de fazer cair o queixo de tanta gargalhada, como Ricardo Carriço com um sotaque brasileiro ridículo, ou uma pequena participação de João Didelet, com uma peruca da loja dos trezentos, a personificar Ary dos Santos. Já para nem falar da personagem de Salazar, sério candidato ao prémio de maior fanhoso do mundo. Ou então de um indivíduo de fato que assombra Amália e que supostamente simboliza a morte, mas que mais se assemelha ao homem da mercearia e que no final nem percebemos o que andou por lá a fazer.

Mas se fosse a listar todos os episódios inacreditáveis que "Amália" nos proporciona, não acabava este texto hoje. Salva-se o guarda-roupa, e digo isto só para mencionar algo de positivo no meio deste desastre. Para quem já viu não existe solução, mas quem não o fez, faça então o favor de poupar o dinheiro e o seu precioso tempo. "Amália" não dignifica Amália Rodrigues, nem o fado, nem o cinema e nem ninguém. Antes uma palhaçada qualquer com o Steven Seagal a aviar vinte inimigos de uma só vez.

Classificação: 1/10

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