sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Contas à vida - 80's Para Além do Paraíso



Título Original: Stranger Than Paradise
Realização: Jim Jarmusch
Ano: 1984

O tempo muda tudo. É uma das maiores tragédias da vida. Na maior parte das vezes nem damos por a sua chegada, vem devagar, suavemente, mas quando nos apercebemos, quando finalmente parámos e olhamos para trás, já nada é igual. É como o Jerónimo de Sousa nos seus constantes ataques ao capitalismo: não perdoa. E se à coisa em que podemos confiar é que não pára nunca, nem para ninguém. Jim Jarmusch não é excepção. Em 1984, Stranger Than Paradise foi recebido em Cannes em apoteose e constitui-se como um marco do cinema independente - que viria a desenvolver-se exponencialmente nos anos seguintes, com nomes como Wes Anderson, Spike Lee ou Steven Soderbergh, entre outros. Tornou-se um clássico. Visto hoje em dia, num contexto diferente, o seu maior valor vem do facto de sabermos por antecipação que se tratou de um dos primeiros filmes a desbravar novos caminhos. As suas qualidades continuam intactas, é certo, mas não foram potenciadas pelos anos. É um producto de uma época, e torna-se difícil dar-lhe o devido valor quando não é visto na data certa.

Em Stranger Than Paradise a história não é importante. Longe disso. As personagens, os ambientes, até os silêncios, são o tema central. Os diálogos são escassos, os cortes raros, os movimentos da câmara quase inexistentes e a imagem a preto e branco. Todos as cenas são separadas através de um pequeno periodo em que o ecrã se mantêm preto, sem imagens. No total, existem quatro personagens. É um trabalho minimalista de Jarmusch, levando a peito a expressão popular "menos é mais".

E a verdade é que quase nada acontece durante todo o filme, que se encontra dividido em três segmentos. No primeiro, Eva (Eszter Balint) vem da Hungria para visitar o seu primo Willie (John Lurie), em nova Iorque. Willie não vê com bons olhos a chegada da sua prima, e faz de tudo para a fazer ela se sentir excluida dentro de sua casa. No entanto, conforme o tempo vai passando, Willie vai-se aproximando de Eva. Entretanto, Eva vai para Cleveland, onde fica a viver com a tia. Um ano depois, Willie e o seu amigo Eddie (Richard Edson) deslocam-se para Cleveland com o objectivo de a visitar. Na última parte, os três deslocam-se para a Florida para passar férias, onde os dois amigos deixam Eva sozinha e entregue a si própria, isto enquanto se concentram nas apostas de corridas de cães e de cavalos.

Em traços gerais é esta a história. Willie, personagem principal, passa o tempo deitado, ou sentado, ou a ver televisão enquanto come enlatados. Nenhum plano lhe parece suficientemente bom para o fazer levantar e sair à rua, nenhum sonho futuro o motiva. Eva e Eddie acompanham-no em tudo que propõe, principalmente com o objectivo de matar o tédio. É sobre esta melancolia que o filme se debruça, a inaptidão social destas pessoas, deslocadas e desprovidas de sentido do seu papel na sociedade, em se adaptarem e sentirem-se pertencentes a algo. O que as personagens fazem (ou, neste caso, não fazem) tem um sentido. E no fim, apesar de alguns momentos de reflexão e análise, descobrem que apenas andarem para chegar ao ponto de partida. Um Leopardo não pode mudar as manchas, mas não é por isso que desistem de o tentar fazer. O resultado é a frustração.

No entanto, a falta de desenvolvimento narrativo acaba por cansar, isto apesar da curta duração (1h30). Os ambientes inóspitos fornecem a noção da frieza e estagnação das personagens face ao mundo, mas são também demasiado fastidiosos para os espectadores. Escusado será dizer que não é um filme acessível a toda a gente. Requer estômago e força de vontade, mais ainda se nunca conseguirmos entrar no espírito que propõe. Jarmusch parece andar a levar-nos a lado nenhum, a mostrar-nos imagens isoladas de propósito. No final, podem enrolar tudo na mesma manta e encontrar algum sentido capaz de fazer apreciar a mensagem, seja ela qual for. Se não for o caso, é certo que vão dar o tempo por muito mal empregue. De qualquer forma, vale a pena arriscar e visitar uma das obras mais influentes dos anos 80.


Classificação: 5/10

Sem comentários: