quarta-feira, 30 de julho de 2008

4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias




Título Original: 4 luni, 3 saptamâni si 2 zile
Realiazação: Cristian Mungiu
Ano: 2007


Recentemente, uma vaga de filmes oriundos da Roménia têm estreado nas salas de cinema nacionais e coleccionado prémios em vários festivais internacional. Do nada - e leia-se por nada a falta de uma indústria forte na Roménia capaz de suportar os investimentos -, deparamo-nos com um cinema novo, de qualidade e com vontade de fazer coisas diferentes. Assim que me lembre, temos "A Morte do Senhor Lazarescu", "12:08, a Este de Bucareste" e "California Dreamin' ". Mas o mais esperado deles todos é, sem dúvida, este 4 Meses, 3 semanas e 2 Dias. Com um apreciável cartão de visita (palma de ouro em Cannes em 2007), é um olhar realista e devastador sobre as experiências sofridas por duas amigas de modo a procederem a um aborto.

O filme passa-se nos finais dos anos 80. Sob a presidência de Nicolae Ceausescu e o seu regime comunista, a Roménia é um país frio, duro e retrógrada. Entre outros aspectos que o comprovam, o aborto era ainda uma prática ilegal. Otilia (Anamaria Marinca) e Gabita (Laura Vasiliu) são duas estudantes do politécnico que partilham um quarto no dormitório da universidade. Gabita está grávida, e com a preciosa ajuda de Otilia prepara-se para se encontrar com um homem num quarto de hotel que a vai ajudar a abortar. Nada de estranho, muito menos num país onde o mercado negro prosperava e tudo servia como moeda de troca. O que se segue é uma viagem de 24 horas ao absurdo, ao vazio, à indiferença e ao desespero.

O motor da acção não é Gabita. Durante todo o processo, é Otilia quem dá o corpo à luta. É ela que arranja o dinheiro, marca o hotel, se encontra com o homem responsável por fazer o aborto e no fim ainda tem de se livrar do feto. Gabita, por seu lado, não acerta uma. É incapaz de decidir uma única coisa pela sua própria cabeça e os seus actos negligentes afectarão sobretudo quem mais a ajudou, a própria Otilia. Cada vez mais enfiada no buraco que Gabita cavou, Otilia vai mostrando sinais de exasperação, mas nunca vira as costas à amiga. Quando se ausenta por um curto do período do hotel para comparecer no aniversário da mãe do namorado, percebemos que está fatigada de tudo o que a rodeia. Desde o namorado insensível, à amiga desmiolada por quem tem de assumir a responsabilidade e a uma sociedade suja que inferioriza os cidadãos, parece que tudo vai desabar nos seus ombros. Como se costuma dizer, é quando estamos no chão que toda a gente vem dar pontapés.

Cristian Mungiu não se preocupa em marcar uma posição ou deixar uma mensagem. Limita-se a mostrar-nos o que acontece de forma crua, na maior parte do tempo pelos olhos de Olivia. As personagens são mostradas sem pingo se sentimentalismo. Música, nem ouvi-la, só diálogos ou então, os silêncios. Não há preocupação nenhuma com planos bonitinhos, cortes só quando tem mesmo de ser e efeitos é na sala ao lado. Não é o realismo levado ao extremo (na minha opinião, ao exagero) como no caso de Pedro Costa, mas é um primo afastado. A forma como uma insinuação, o simples posicionamento da câmara ou aquele segundo a mais na duração das cenas provoca tensão é assustador e violento.

Na parte final o filme arrasta-se um pouco e perde aquela energia que nos faz estar a maior parte do tempo agarrados à cadeira. Tem dez minutos a mais, mas não é disso que nos lembramos quando saímos da sala. E a derradeira cena, com Gabita e Otilia no restaurante do hotel a combinarem nunca mais falar do que se passou naquele dia, é mais uma prova da qualidade do cineasta romeno. Ficamos divididos, sem saber se Otilia se arrepende da ajuda que deu a Gabita, ou se, por amizade, faria tudo de novo. E também não entendemos se Gabita, se a situação se inverte-se, faria o mesmo que Otilia fez por ela.

Depois de três palmas de ouro que me deixaram pouco convencido - Fahrenheit 9/11; L'Enfant e The Wind That Shakes the Barley -, finalmente uma obra que abre novos caminhos, totalmente merecedora do prémio. Só podemos esperar mais e melhor do cinema romeno, e pela amostra não vai demorar muito para termos mais exemplos da sua vivacidade. Também por cá este pode ser um bom exemplo. Não é impossível, mesmo com uma indústria pequena como a nossa e com orçamentos baixos, fazer filmes capazes de ombrear com os melhores no panorama internacional. Por muitas obras engraçadas que, é verdade, vão surgindo, ainda nos falta aquele filme capaz de catapultar o nosso cinema para outro patamar. Acredito muito no próximo filme de Marco Martins, mas vamos esperar para ver.

Classificação: 8/10

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