sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Destruir Depois de Ler




Título Original: Burn After Reading
Realização: Ethan Coen, Joel Coen
Ano:2008


Woody Allen, no seu mais recente livro de crónicas humorísticas,"Pura Anarquia", conta a história de um homem com tanto sucesso na adaptação de histórias para o palco que um belo dia, de tão confiante que estava nas suas capacidades, caiu no cúmulo de adaptar a lista telefónica. Desconheço se os irmãos Coen têm em mente tal projecto, mas o restante encaixa na perfeição: parece que não existe nada que estas duas mentes não consigam transformar em cinema de primeira categoria. Depois do estrondoso sucesso de "No Country for Old Men" (retrato impiedoso e cruel da espécie humana), grande vencedor dos Óscares do ano transacto e que só por pouco não obrigou os Coen a alugar uma carrinha de mudanças para transportar tanta estatueta, "Burn After Reading" surge como um purificador do ambiente. Comédia deliciosa e estonteante, tem também por objectivo refrear os ânimos e recarregar baterias.

Mas o facto de terem optado momentaneamente por outra direcção não significa falta de cuidado ou qualidade. Embora "Burn After Reading" não seja, nem de perto nem de longe, uma das melhores obras dos Coen, é sem dúvida um enorme prazer. Tem diálogos inteligentes, um elenco fantástico e personagens extremamente bem construídas, que conseguem retirar dos actores todas as suas qualidades (caso óbvio de Brad Pritt, a personificar uma personagem completamente aluada e hiperactiva). É uma comédia, mas como acontece na maior parte dos casos em que nos referimos aos Coen, também não é bem comédia, é mais que isso. Tem a sua dose de thriller e, em certos aspectos, é mesmo um filme triste e deprimente, capaz de mostrar como as pessoas podem ser patéticas e rancorosas . A associação não tem grande base, mas como a minha mente vagueia em demasia, ao ver este filme lembrei-me de "Short Cuts", do falecido Robert Altman: toda a gente mente, engana, tem vícios, tiques, passados duvidosos e segredos por revelar.

Contar a história é um exercício condenado ao fracasso. Com um argumento que se baseia em reviravoltas e mal-entendidos, enrola-se em si próprio de tal maneira que se desviamos a atenção do ecrã por uns segundos arriscamo-nos a já não perceber o que se está a passar. Fiquemo-nos pelo princípio. Osborne Cox (John Malkovich) é uma analista da CIA que foi recentemente despedido e decide escrever um livro com as suas memórias, contendo passagens envolvendo a própria CIA. Katie (Tilda Swinton) é a sua mulher, mas o que ele não sabe é que ela está secretamente a planear o divórcio, por estar apaixonada pelo seu amante, Harry Pfarrer (George Clooney). Katie rouba do marido o CD que contêm o ficheiro com o seu livro de memórias, e por algumas voltas do destino este vai parar às mãos de Chad (Brad Pitt), um treinador de Fitness num ginásio. Chad pensa ter descoberto segredos de estado e com a cumplicidade de Linda Litzke (France McDormand), que necessita de dinheiro para cirurgias plásticas, vão chantagear Osbourne Cox e pedir-lhe uma elevada soma de dinheiro em troca do CD. O que eles não sabem é que as informações do CD não são tão confidenciais quanto isso.

Confusos? E isto, como referi, é só o princípio. O resto descubram por vocês, e garanto que vale a pena. De um tom inicial leve e jovial, o drama vai-se adensando com o passar dos minutos, até chegar um ponto em que as situações são cómicas, mas são também tão tristes que nem dá grande vontade de se estar bem-disposto. É aqui que está o segredo e onde se vê quem é bom: de uma comédia leve começa-se, subtilmente, a escavar mais fundo e a encontrar outros pormenores mais sérios. Os Coen, com uma apropriação tão pessoal da obra, vão com certeza fazer as delícias de todos aqueles que consigam embarcar na maré deste "Burn After Reading". Para os que vão ficar de fora, que não devem ser muitos, contem com hora e meia algo aborrecida.

Último destaque para os actores envolvidos. Não existe uma única personagem que não seja uma delícia, uma única performance mais fraquinha. De Brad Pitt já falei. John Malkovich é um falhado que está a um pequeno passo de perder as estribeiras; Geoge Clooney é um mulherengo charmoso e convencido mas que tem uma existência patética; Frances McDormand é uma mulher inocente que apenas quer melhorar a sua imagem para agradar aos homens, mas que não tem a mínima noção das consequências dos seus actos. E a lista podia continuar quase infinitamente.

É um Coen menor, é certo, mas não só de obras-primas se faz uma carreira de respeito. Se não se deslocarem para o cinema com a expectativa de ver um "No Country For Old Men" parte dois, é quase certo que vão dar por muito bem empregue o dinheiro. A não perder.

Classificação: 7/10

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