sexta-feira, 4 de julho de 2008

Contas à Vida - 80's ZELIG


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Titulo Original: Zelig
Realização: Woody Allen
Ano:1983
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Woody Allen é, sempre foi e sempre será um génio. Mas até a genialidade tem fases. Nos últimos anos, salvo uma ou outra excepção, o realizador tem vindo a brindar-nos com filmes de qualidade, digamos para ser simpáticos, duvidosa. Não que sejam maus de todos, porque ele não sabe fazer filmes maus, mas porque de quem é se espera bem melhor. Até que se chegou a um ponto em que, quando chega às salas um novo filme de Woody Allen, o cepticismo é maior que o entusiasmo. Mas nem sempre foi assim.

Na filmografia de Woody Allen, Zelig surge algures entre Annie Hall e Hannah e as suas irmãs, fase que coincide com o seu pico criativo. É um "mockumentary" passado nos anos 20 sobre a vida de Leonard Zelig (Woody allen), um homem "camaleão" com tão pouca personalidade que se tornou capaz de transformar a sua aparência e postura às das pessoas que o rodeiam, de modo a sentir-se integrado. Negro, obeso, chinês ou escocês, Zelig consegue adaptar-se.

Tudo no filme segue as orientações de um documentário tradicional, com depoimentos dos envolvidos, passagem de imagens de arquivo a preto e branco, fotografias e registos jornalísticos. E está tudo tão bem feito, dos depoimentos às filmagens, que se não fosse pelos acontecimentos caricatos que vão ocorrendo ao longo da história e pela sempre reconhecível cara de Woody allen, ninguém diria que era inventado. Zelig chega a aparecer ao lado de Adolf Hitler, num tipo de técnica igual ao usado em Forrest Gump.

Voltando à historia, Zelig desperta a curiosidade da comunidade cientifica, que apresenta as mais diversas explicações para o bizarro fenómeno. Num abrir e fechar de olhos, Zelig torna-se a atracção do momento em toda a América. Brinquedos, disfarces de carnaval e hits musicais hilariantes ("You may be six people, but I love you"; "Chameleon dance") são criados em referência à sua imagem. Só uma pessoa, a Dra. Eudora Fletcher (Mia Farrow), parece preocupar-se verdadeiramente em curar Zelig, mas mais para se tornar famosa do que por outro motivo qualquer.

Exibido como uma atracção do circo e utilizado como símbolo ora de coragem, ora de decadência dos valores ("um judeu que se transforma num negro e num Indiano é uma tripla ameaça"), Woody Allen crítica a forma como a opinião pública cria e destrói os seus ídolos com a mesma facilidade com que troca de camisa.

Como já nos habituou, Allen usa e abusa da ironia e dos one-liners como só ele sabe. Deixa-nos ainda com uma questão filosófica e psicanalítica em mãos, a que ninguém sabe dar resposta: por um lado, a falta de personalidade de Zelig torna-o incapaz de pensar por si, mas por outro lado é essa capacidade de integração nos mais diversos ambientes que o torna capaz de funcionar e de se integrar na sociedade. Qual das duas opções a melhor?

O formato documentário afasta-nos um pouco das personagens e coloca-nos distantes da história, como se esta fosse só um registo histórico. Mas nada que manche o resultado final.

Leve, divertido e inteligente, Zelig é um filme que nos faz ter saudades dos tempos em que de Woody Allen se tinha sempre a certeza de vir uma lufada de ar fresco. Em cada novo filme eu ainda acredito, porque quem sabe nunca esquece. Isto de fazer filmes, para mestres como Woody Allen, é mais ou menos como andar de bicicleta.


Classificação: 8/10


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