quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Contas à Vida - 90's O Cabo do Medo



Título Original: Cape Fear
Realização: Martin Scorcese
Ano: 1991

Cinema com a assinatura de Martin Scorcese é como um motor da Mercedes: pode ser melhor ou pior um bocadinho, mas anda sempre que se farta. Um ano depois de "Goodfellas", Scorcese traz-nos um remake de um livro já adaptado para cinema em 1962, com Gregory Peck no principal papel. "Cape Fear" está longe de ser a sua melhor obra, mas não deixa por isso de ser um interessante trabalho, capaz de nos agarrar desde o princípio e envolver-nos cada vez mais na história, à medida que a tensão e a intensidade dramática vão crescendo gradualmente. É um tratado sobre o medo e as relações humanas, que nos deixa também a nós, espectadores, colados ao ecrã assustados e a chamar pela mãe. E nem lhe falta a influência dos "slasher movies", com algumas memoráveis cenas de violência gratuita e sangue a espirrar de fazer arrepiar qualquer um.

Mas é na violência psicológica que se joga o maior trunfo deste filme. Max Cady (Robert De Niro) é um ex-condenado que, após 14 anos na prisão por ter violado uma rapariga, se vê finalmente em liberdade. E o seu objectivo agora é vingar-se do advogado de defesa, Sam Bowden (Nick Nolte), e fazê-lo sentir a mesma dor que experimentou na cadeia. A razão é muito simples: Bowden, durante o julgamento, não apresentou ao juiz um relatório que poderia ter minimizado a pena de Max Cady. Na altura Cady era analfabeto, e Bowden pensou que este nunca se iria perceber da situação. O problema é que durante a estadia na prisão, Cady dedicou-se afincadamente à arte da leitura. O que se segue é uma espécie de jogo do gato e do rato.

A premissa é simples, mas Scorcese soube dar-lhe os condimentos especiais. É para isso que serve o talento. Bowden é, efectivamente, culpado por ter facultado uma defesa defeituosa ao seu cliente, Max. E também está longe de ser o chefe de família perfeito, mantendo relações promíscuas com uma secretária do tribunal. Aqui, e ao contrário da versão de 1962, não existe uma luta clara entre o bem e o mal. No seu esforço para salvar a família, Bowden tem ainda de enfrentar os medos e distâncias que existem no relacionamento com a mulher e filha. E a certo ponto põe em causa os seus princípios morais, recorrendo a métodos obscuros quando se apercebe que a lei é incapaz de o ajudar. Bowden não é um herói, mas apenas um homem cujos erros passados lhe batem à porta para cobrar dívidas.

A primeira cena de "Cape Fear" mostra Max Cady a exercitar-se, de tronco nú, numa cela da prisão. Corpo musculado, repleto de tatuagens com referências bíblicas, não precisa de dizer uma palavra para sabermos que se trata de um fanático, um homem perigoso, violento e demente capaz de tudo para atingir os seus fins. De Niro é absolutamente brilhante a encarnar uma personagem que parece desenhada à medida das suas características. É a personificação do mal, muitas vezes sem outra razão que não o simples gosto pelo mal. Os seus principais alvos são a mulher de Bowden, Leigh (Jessica Lange), e a filha, Danielle (Juliet Lewis). De forma lenta e metódica aproxima-se das vítimas e, principalmente, tenta ganhar a confiança de Danielle, uma jovem cuja tentação pelo perigo conduz a actos insensatos. O facto de ter sido anteriormente acusado de violação a uma rapariga da idade de Danielle - 16 anos - aumenta ainda mais a expectativa.

A realização de Martin Scorcese é ágil e habilidosa, com constantes zooms, alterações de ângulos ou de cores. Em conjunto, estes elementos fornecem um ambiente perfeito para a necessária construção da tensão. No entanto, e longe de mim querer pôr em causa as capacidades de Scorcese com uma câmara na mão, dá sempre a ideia que falta algo que nos faça identificar aquele cunho das grandes obras. As personagens e a história acabam por não ter a profundidade dramática a que estamos habituados. Para a maior parte dos realizadores, "Cape Fear" seria o ponto mais alto da carreira. O problema é que Scorcese está longe ser a maior parte. Assim sendo, é impossível não nos sentirmos um pouco - mas só mesmo um pouco de nada - defraudados no final. Porque bem vistas as coisas, é um tratado sobre como realizar bons thrilhers. Só falta um pouco mais de alma.

Classificação: 7/10

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