quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Margot e o Casamento



Título Original: Margot at the Wedding
Realização: Noah Baumbach
Ano: 2007

Desconfio que Noah Baumbach teve uma adolescência complicada. Ou então apenas tem uma obsessão mórbida pela crueldade em que se podem transformar as relações familiares. Seja de que maneira for, quem sai a ganhar é o público. "The Squid and the Whale", filme com contornos autobiográficos, surpreendeu pela refinada mistura de humor e drama usada para contar a história de dois irmãos apanhadas no meio do atribulado processo de divórcio dos pais. Foi o primeiro grande sucesso de Baumbach, depois de alguns filmes menores com que iniciou a carreira. O resultado foi uma (justíssima) nomeação para o Óscar de melhor argumento original, aliado a uma grande expectativa relativamente à próxima obra deste jovem realizador. Mas "Margot at the Wedding" está longe dos pergaminhos do seu antecessor. O que não constitui necessariamente um factor assim tão negativo, dado que "The Squid and the Whale", ainda que realizado com um baixo orçamento, é de um nível difícil de igualar.

Margot (Nicole kidman), uma escritora de sucesso, e o seu filho Claude (Zane Pais) deixam Nova Iorque para assistir ao casamento de Pauline (Jennifer Jason Leigh), a irmã com quem Margot mantém uma relação complicada - chegando ao ponto de não se terem falado durante anos. A razão concreta do desentendimento entre as duas nunca nos é revelada, mas não é difícil de imaginar que se tratou do rebentar de pequenas tensões acumuladas, sentimentos recalcados e invejas bem entranhadas no fundo da alma. O futuro marido de Pauline é Malcolm (Jack Black), um homem sem emprego estabelecido e com manias de estrela, que a certa altura afirma que ainda não se apercebeu que não é a pessoa mais importante do mundo. Resumidamente, está uns pontos abaixo de Pauline, e Margot não consegue entender o porquê de esta se ter decidido a casar com um homem que lhe parece um idiota.

"Margot at the Wedding" é uma espécie de Rambo, mas aqui a violência é puramente emocional e afectiva. As metralhadoras são substituídas pelos diálogos densos e pesados, os pontapés à meia volta pelos momentos de desespero e humilhação. Chega a ser penoso ver o desenrolar da tragédia de pessoas que embora se amem, deixam transparecer o pior lado do ser humano e acabam por ferir-se umas às outras, em alguns casos irremediavelmente. O problema é que, faltando algum nível de credibilidade e uma história bem construída, tanto drama acaba por soar a pretensioso e falso. Nem mesmo as intervenções de cariz humorístico de Jack Black chegam para aliviar o ambiente pesado, tendo até muitas vezes o efeito contrário - sentimos verdadeiro embaraço pela forma infantil como se comporta.
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Conforme o tempo e os dias vão passando, a reunião familiar torna-se cada vez mais tensa. Margot revela que está a repensar a relação com o seu marido, Jim (John Turturro), isto enquanto se vai atirando para os braços de Dick (Ciaran Hinds), um antigo namorado. No meio desta situação, e sem saber ainda de nada, está o filho adolescente, Claude. E é entre Claude e a mãe que se desenvolve a relação mais interessante, e ao mesmo tempo cruel, de todo o filme. Claude adora Margot, mas por sua vez ela parece decidida em não perder uma oportunidade de descarregar a sua fúria no filho. Seja pelo sua inabilidade, pelo seu ar amorfo, pela sua inaptidão em agir por conta própria. E quanto mais Claude se rebaixa e procura agradar a Margot, mais é humilhado. Típico exemplo de situações capazes de deixar marcas psicológicas prolongadas e deitar por terra a auto-estima de qualquer um.

O restante não tem tanto interesse e acaba por cair no vazio. Falta ritmo e substância para alicerçar as sucessivas crises de Margot ou as dúvidas de Pauline. E a certa altura já está tudo tão visto e monótono que parece que os créditos finais nunca mais chegam. As personagens são demasiado egoístas e neuróticas, o que torna os seus medos e vulnerabilidades seres estranhos para o público. Queixam-se, agridem-se, fazem as pazes e voltam a queixar-se, mas já ninguém na plateia está muito concentrado no que se está a passar. Foi maior a vontade de Noah Baumbach em contar uma história capaz de nos deixar emotivamente devastados do que o sucesso na sua concretização.

A influência da cinematografia europeia, nomeadamente a francesa, está bem presente. Estão lá o ambiente claustrofóbico, as personagens de classe média-alta, o realismo, os silêncios, a câmara intimista e as cenas recheadas de supostos simbolismos. Não fosse falado em língua inglesa e quase ninguém daria pela diferença. A comparação pode não ser a mais justa, mas é inevitável: o despretensiosismo de "The Squid and the Whale", sua principal arma, deu lugar a um exercício a espaços pseudo-intelectual. "Margot at The Wedding" está longe de ser uma perda de tempo, mas espera-se de Baumbach mais e melhor.

Classificação: 4/10

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Arte de Roubar




Título Original: Arte de Roubar
Realização: Leonel Vieira
Ano: 2008

Não é novidade para ninguém se disser que Leonel Vieira está longe, mas muito longe mesmo, de ser um realizador dotado de um grande talento. Com obras como "A Bomba" ou "Mustang" no currículo, é natural que deixe qualquer um com os pêlos em pé só de ouvir falar na estreia de um novo filme seu. Por essa mesma razão, e como pessoa avisada que sou, foi com expectativas baixas que entrei no cinema para ver "Arte de Roubar".

E fico feliz por poder afirmar que, afinal, não é tão mau quanto inicialmente pensei. Não é um filme inovador, não vai trazer novos caminhos para o cinema em Portugal e nem tão pouco me parece ter qualidade para, como parece pretender Leonel Vieira ao escolher realizar o filme em língua inglesa, triunfar no estrangeiro. Mas, no fim de contas, trata-se de um bom entretenimento, sem intenções de ser mais do que isso. Um guilty pleasure que se assume com gosto.

Chico Silva(Ivo Canelas) e Jesus Fuentes (Enrique Arce) são dois ladrões sem sorte e desajeitados que vêem todos os seus planos "perfeitos" saírem furados, por uma razão ou outra. Desmotivados e sem rumo certo, o destino acaba por entregar-lhes de bandeja o golpe perfeito: roubar um quadro de Van Gogh, no valor de cinco milhões de euros, da mansão de uma velha condessa. Isto com a preciosa colaboração do mordomo da condessa (Nicolau Breyner), irritado por ter sido esquecido na recente herança esta elaborou. Mas nem tudo é tão simples como parece, e os dois acabam envolvidos acidentalmente num esquema maior.
Leonel Vieira confessou ser um fã devoto de Tarantino e dos irmãos Coen, e não escondeu a influência destes na sua obra. Mas nem precisava de o fazer, já que é bem visível para os espectadores familiarizados com a filmografia destes realizadores, ou até de Robert Rodriguez e Guy Ritchie, de onde surgiu a ideia para "Arte de Roubar". O espírito nonsense, a comédia negra, os diálogos rápidos e atrevidos, munições disparadas como se não houvesse amanhã, confusões e desentendimentos. Está lá tudo.

O modelo, verdade seja dita, está gasto, roto e tem buracos. E muitos foram os que anteriormente, e com bem melhores resultados, o interpretaram. Chamem-lhe homage, tributo, pastiche ou o que quiserem. Para mim não passa de uma aberrante falta de ideias inovadoras, que culminam numa cópia despropositada e vazia de métodos que até já cheiram a mofo. O guião, escrito por João Quadros com a colaboração de Roberto Santiago, é mesmo o elo mais fraco pelo qual acaba por ir cedendo o restante. Falta-lhe graça, tem falas medíocres, pouca energia e está cheio de momentos de disparate que roçam o embaraçoso. De que me lembre, só uma coisa tem em doses generosas: clichés. Se for apreciador...

Mas "Arte de Roubar" também tem os seus pontos fortes. A começar pelas interpretações, com Ivo Canelas e Henrique Arce a conseguirem, com pouca matéria-prima, construir personagens com substância e estilos próprios. Flora Martinez e Soraia Chaves, nem que aparecessem só para encher o olho com tanta beleza, já faziam muito. Mas são ainda duas actrizes de talento, e Soraia Chaves, embora num papel mais discreto - e com mais guarda-roupa - do que o habitual, fica extremamente bem na fotografia. O resto é ver o desfilar de personalidades bem conhecidas do nosso pequeno "ShowBiz" em papéis secundários, como Aldo Lima e Pedro tochas.

A realização de Leonel Vieira é de boa qualidade, filmando um Portugal de vastas planícies, praças de touros e empregadas de mesa desgrenhadas. Tudo em tonalidades de amarelo, que mais fazem lembrar uma tarde de verão tórrida no México. Consegue imprimir ritmo à história e ela flúi naturalmente. Para mais, não existe nenhum daqueles erros de fotografia e sonoplastia de palmatória, que tantas contribuem para transmitir uma imagem de falta de meios e de falsidade ao nosso cinema. Os planos são bem estudados, os locais bem escolhidos e não fosse um ou outro momento em que as cenas de acção poderiam ser mais arrojadas, estaria quase perfeito.

A banda sonora, da autoria de Paulo Furtado (Legendary Tigerman), foi uma óptima escolha. Quanto à questão do filme ser falado em inglês, que está a levantar algumas dúvidas e a suscitar críticas, não penso que seja relevante. Com certeza que, falado em português, teria outro sabor. Mas temos de fazer um esforço para compreender que o nosso mercado é pequeno e as aspirações de Leonel Vieira e companhia são legítimas. Num filme tipicamente comercial, que é mais um entre milhares, pode ser esse facto que lhe dê o lucro extra que as nossas produtoras bem precisam. Esperemos para ver. No geral, podemos considerar que "Arte de Roubar" é um filme mau, mas se for visto despreocupadamente e sem preconceitos, pode ser divertido. Vão ver que andam por aí coisas bem piores.


Classificação: 3/10

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Contas à Vida - 80´s Os Dias da Rádio



Título Original: Radio Days
Realização: Woody Allen
Ano: 1987

Corro o sério risco de, um dia destes, ficar sem adjectivos para descrever o talento de Woody Allen. Nada mais merecido. Com uma longa filmografia, não existe um único filme na lista que não seja, à sua maneira, memorável. Radio Days não foge à regra, até porque esta difere de todas as outras num pequeno pormenor - até hoje, ainda não tem excepção. Desta feita, Woody Allen presta um tributo aos tempos dourados da rádio, antes de a televisão se tornar o grande meio de comunicação de massas.

É um olhar puramente nostálgico aos seus tempos de juventude, quando famílias inteiras ainda se reuniam nas salas e partilhavam o prazer de ouvirem rádio juntas. O jazz dominava as emissões e perfurava o silêncio dos lares, as pessoas deixavam a imaginação correr e sonhavam com o glamour das estrelas, com o mundo fantástico e misterioso que existia por detrás do transmissor.

Claro está que, na maior parte das vezes, esse "mundo fantástico" não era tão fantástico assim. Joe (Seth Green), alter-ego de Woody Allen, é uma criança pertencente a uma família de classe média-baixa. Para desespero da família, que não aprova o tempo excessivo que passa a ouvir rádio, Joe não perde as aventuras do seu herói, o Masked Avenger, que visualiza como um homem alto, forte e robusto. Na realidade, a voz por detrás do Masked Avenger é a do atarracado e careca Wallace Shawn. Mas enquanto a televisão mostra, a rádio deixa para a imaginação. É essa a sua beleza.

O filme não apresenta a estrutura narrativa a que estamos habituados, isto é, uma história com princípio, meio e fim. O que nos mostra consiste em episódios caricatos e isolados, situações sem ligação especial entre si mas onde a rádio tem um papel fundamental, nem que seja como pano de fundo. A acção centra-se principalmente na família de Joe e nas voltas e reviravoltas na vida de Sally White (Mia Farrow), uma aspirante a estrela de rádio sem o mínimo de talento nem grande inteligência. Tudo isto em época de grande incerteza, fruto do eclodir da 2º Guerra Mundial.

Como Woody Allen (narrador) faz questão de frisar logo no princípio, são as memórias que guarda dessa época que transporta para este filme, coincidam ou não inteiramente com a verdade dos factos. Não é por isso de estranhar o apelo nostálgico que tem sempre presente, o que aliado à magia e beleza de certos planos de Nova Iorque, nos faz desejar recuar no tempo para fazer uma visita a esse mundo mais simples.

Radio Days tem tantas personagens e histórias paralelas que nem vale a pena tentar descrevê-las. Vale a pena, no entanto, dar uma espreitadela à qualidade dos actores envolvidos: Diane Keaton, Jeff Daniels e Danny Aiello, entre outros. Trata-se uma comédia leve e cativante, sem grandes preocupações para além do entretenimento, e onde as pessoas e os sentimentos têm lugar de destaque. O trabalho de realização é simplesmente grandioso, ainda mais tendo em conta o número de cenas que requerem produções elaboradas e minuciosas, com imensos cenários, actores e figurantes envolvidos.

O resto é o que Woody Allen nos tem habituado. Diálogos hilariantes e gargalhadas garantidas, isto sem esquecer o lado emocional que atravessa, meio escondido, todo o filme. O romantismo da cena final, no telhado de um prédio em Nova Iorque iluminado por um néon, é capaz de convencer o mais feroz dos críticos. E é mesmo esse o principal trunfo do filme, o final. De uma maneira brilhante, Woody Allen diz adeus a toda uma época em que cresceu, ouvindo as vozes do rádio desvaneceram-se ao longe. Até eu, que nasci bem mais tarde, senti saudades desses dias.

Classificação: 8/10

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Estrela Solitária



Título Original: Don't Come Knocking
Realização: Wim Wenders
Ano: 2006

Em 1984, Wim Wenders e Sam Shepard uniram esforços para uma aventura épica pelas paisagens desérticas e áridas da América profunda. "Paris, Texas", magnífico filme sobre um homem obrigado a lidar com as feridas profundas de um passado cheio de sonhos perdidos, saiu de Cannes com a palma de Ouro. Vinte e dois anos depois, a receita repete-se em "Don´t Come Knocking", com a dupla Wenders/Shepard a procurar o brilho de outros tempos. O resultado é em vários aspectos idêntico, repetindo-se temáticas e ambientes, mas o "refogado" já não é da mesma qualidade.

Howard Spence (Sam Shepard) é um outrora famoso actor de westerns, cuja popularidade se perdeu com o passar dos tempos e com o consumo abusivo de álcool, entre outros vícios. O típico "has been". Durante a gravação de um filme que, pela amostra, tem todas as condições para se tornar mais um falhanço numa carreira que se arrasta, Howard decide abandonar as gravações e partir em busca de algum sentido na sua vida. No seu estilo "cowboy", parte num cavalo com direcção incerta, deixando os produtores do filme à beira de um ataque de nervos.

Sem destino certo na fuga, Howard pensa ser a altura ideal para visitar a mãe (Eva Maria Sain) que já não vê à cerca de trinta anos, numa cidade perdida no Nevada. E é a mãe que lhe revela, inocentemente, que tem um filho já adulto de uma relação antiga, mantida durante a gravação de um filme em Montana. Incapaz de ignorar este facto, Howard parte em busca do filho e da antiga namorada.

Don't Come Knocking é um filme cuja acção de passa no presente, mas tudo evoca tempos antigos. Desde os cenários desérticos, passando pelo ritmo lento a que as personagens se movem ou ao livro de recortes que a mãe de Howard guarda com as notícias sobre o filho. Numa das melhores cenas do filme, Howard senta-se junto à janela, com o néon gasto de um casino a brilhar sobre ele. É deste material que o filme é feito, personagens gastas em busca de bocados do passado que parecem cada vez mais distante.

Entretanto, Howard encontra o filho Earl (Gabriel Mann), a antiga namorada Doreen (Jessica Lange) e ainda uma outra filha de que desconhecia a existência, Sky (Sarah Polley). Mas as coisas não estão fáceis para o seu lado. Com a excepção de Sky, que sonha em conhecer o pai e deambula pelo filme sempre com um ar inocente e conciliatório, nem Earl nem Doreen vêem com bons olhos a visita surpresa de Howard. O resto do filme contempla os esforços de Howard para se reconciliar com a família, e pouco a pouco vai conseguindo atingir os seus objectivos. Mas a verdade é que não existem esforços suficientes que façam o tempo andar para trás. Quando Howard, numa tentativa de encontrar alguma estabilidade na sua vida, pergunta a Doreen se quer voltar para ele, a gargalhada que obtém como resposta é esclarecedora.

O trabalho de fotografia é fantástico, retirando por vezes o foco às próprias personagens. A beleza visual confere-lhe um carácter romântico e nostálgico que, numa obra claramente imperfeita e irregular, é meio caminho andado para se apreciar o filme. O próprio facto de Sam Shepard ter passado tanto tempo a participar em filmes de qualidade duvidosa dá-lhe uma visão mais esclarecedora do que é sentir-se uma estrela fora do seu tempo. E essa experiência pode ter contribuído para a qualidade do guião que escreveu e da sua performance no ecrã.

Don´t Come knocking é capaz de nos entreter, mas incapaz de nos ligar realmente à história e às personagens. Será por certo rapidamente esquecido, se é que já não o foi pela maior parte das pessoas, mesmo as que o viram. Não deixa por isso de ser uma daquelas obras nostálgicas que, sem ser nada de espectacular, nos fazem passar um bom bocado na sala de cinema. Wim Wenders e Shepard nem parecem ter-se preocupado por aí além em fazer um filme perfeito, ou em fazer com que todas as cenas resultassem em cheio. E quem for também capaz de apreciar a imperfeição, não dará o tempo por perdido.

Classificação: 6/10