terça-feira, 26 de agosto de 2008

O Homem do Tempo




Título Original: The Weather Man
Realização: Gore Verbinski
Ano: 2005

Gore Verbinski é um nome familiar para a maior parte das pessoas, muito devido à saga "Piratas das Caraíbas", de sua responsabilidade. Mas se esperam de The Weather Man as mesmas doses de acção e aventura, preparem-se para uma desilusão das grandes. Verbinski virou completamente a agulha e apresenta-nos a angustiante vida de um apresentador do boletim meteorológico com a vida pessoal feita num caco. Entre dois "piratas", surge esta obra pessimista e bem trabalhada sobre as dificuldades que a vida adulta coloca e como conseguir (ou não) ultrapassá-las.

David Spritz (Nicolas Cage) é, então, o meteorologista de serviço. David trabalha em Chicago, numa estação de televisão local, mas o sucesso que consegue faz com que sonhe em ir para Nova Iorque e dar o salto para um programa emitido a nível nacional. Na vida pessoal, contudo, as nuvens negras não saem do caminho. Divorciado, tenta inutilmente a reconciliação com a sua ex-mulher (Hope Davis). A filha, Shelly (Gemmenne de la Peña), tem problemas de peso e de falta de personalidade, optando constantemente por desistir quando as coisas se tornam complicadas. O filho, Mike (Nicholas Hoult), tem problemas com drogas e é assediado sexualmente por um dos conselheiros na reabilitação, para desconhecimento dos pais, mais preocupados em discutir e atirar responsabilidade para cima um do outro. Finalmente a relação de David com o pai, Robert (Michael Caine), também não é a mais saudável. Robert é um vencedor do prémio Pulitzer e David sente-se inferiorizado na sua presença, já que Robert não parece levar a profissão do filho como séria.

Todos estas questões, na visão de David, resolvem-se se conseguir o emprego em Nova Iorque. Aí pode começar do zero e emendar os erros do passado. Mas nada é assim tão fácil, e David até parece já o saber, não querendo somente acordar da ilusão. Aliás, um dos principais problemas de David é ser inseguro e não acreditar em si próprio. Apesar de ser bem remunerado, bom no que faz e de ter um trabalho pouco exigente e com largas vantagens, isso não é lhe é suficiente. Constantemente bombardeado na rua por fast-food que as pessoas que não o suportam atiram dos carros, perde-se em pensamentos sobre o porquê do ódio das pessoas, o porquê da família não ser feliz, o seu papel na sociedade, o valor do seu trabalho. O facto de nem sequer ser meteorologista, e de receber as previsões meteorológicas de outras pessoas, também o faz sentir inútil e mais culpado ainda pelo ordenado chorudo que recebe.

O filme cria um ambiente nocturno e trágico que não tende a desaparecer conforme os minutos vão passando. E esse é o seu principal trunfo. Um ou outro raio de sol espreita entre as previsões de céu fechado e nuvens negras, mas nada mais. O humor também aparece em doses generosas, mas é um humor cínico e seco, que arranca uns bons sorrisos irónicos. A certa altura pode parecer que o filme não vai chegar a lado nenhum, mas isso pouco importa. O importante mesmo é ver voltas que a vida dá (como diz Robert: "Easy doesn't enter into grown-up life."), o importante mesmo é que é sincero e nos faz reflectir.

Nicolas Cage está fantástico no papel de um homem sem rumo e em certa medida conformado com o destino. Já não o víamos assim desde "Inadaptado". Por cada passo no caminho certo que tente dar, saí ao contrário. Tenta ser um pai atencioso, mas os filhos continuam infelizes. Não consegue fazer com que o pai deixe de o olhar com decepção, e até no funeral em vida do pai, com uma doença terminal e a quem restam poucos meses, o discurso que preparou foi interrompido numa frase embaraçosa por uma falha na corrente eléctrica. É , sem dúvida, uma das personagens mais deprimentes alguma vez mostrada em película de 35mm.

E embora as situações possam por vezes cair para o lado do absurdo, é tudo feito de forma dolorosamente embaraçosa e realista, que às vezes faz lembrar as nossas próprias experiências infelizes. E são esses os momentos tocantes, que fazem de The Weather Man um filme arrojado e adulto. Que filmes assumidamente deprimentes não façam parte da lista de visionamentos obrigatórios até se percebe, mas se derem uma oportunidade, vão ver que arriscam-se a mudar de opinião.

Classificação: 7/10

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Tropa de Elite




Título Original: Tropa de Elite
Realização: José Padilha
Ano: 2007


Urso de Ouro no Festival de Berlim e sucesso garantido mesmo antes de estrear, Tropa de Elite chega-nos do Brasil com o rótulo de filme-sensação, na senda do fantástico "Cidade de Deus". E para aumentar a curiosidade, nem falta a polémica: alguns espectadores aplaudem fervorosamente, outros, chocados, consideram uma incitação à violência mais primária e saem a meio. Não se pode agradar a gregos e a troianos, e José Padilha nem parece ter-se preocupado muito com isso. Pelos lados de cá o tema ainda é visto como algo que não nos afecta, do qual guardamos certo distanciamento. Por essa razão, conseguimos com mais facilidade analisar o filme pelo filme, friamente e deixando de lado as nossas emoções e opiniões pessoais. Mas vamos pelo princípio.

Tropa de Elite passa-se nas favelas do Rio de Janeiro, as mesmas favelas (ou então muito parecidas) de "Cidade de Deus". Mas tem uma grande diferença: o foco da atenção não é dado às pessoas e traficantes que lá vivem, mas à polícia que tem a quase impossível missão de pôr ordem no assunto. E não se trata de uma polícia qualquer, mas de uma "tropa de elite" que os próprios polícias normais temem: os BOPE. E os BOPE não são para brincadeiras, quando entram nas favelas é para usar de todos os meios, independentemente de quais sejam, para atingir os seus fins. Traficante é traficante, guerra é guerra, e não há lugar para contemplações ou dúvidas. Para os BOPE só existem dois tipos de pessoas, os que estão com eles e os que não estão. No meio não está a virtude. Como afirma o Capitão Nascimento (Wagner Moura), que faz de narrador, se o BOPE não existisse, a cidade toda estava entregue aos traficantes.

José Padilha tem um passado ligado à área documental, e essa vertente não passa nada despercebida. O filme é um retrato duro, cru e realista sobre a vida, o trabalho e os problemas pessoais destes homens proibidos de ceder à fraqueza. A brutalidade usada pelos BOPE, que para apanhar os traficantes puxa dos mesmos métodos que este, não é aligeirada nem disfarçada. Ao mesmo tempo, leva-nos numa viagem ao centro das teias da burocracia e da corrupção existentes na polícia regular, teias essas que impedem quem quer trabalhar honestamente de o fazer. Sem meias-palavras nem floreados, Padilha mostra-nos o pior do sistema através do seu interior.

O que o filme tem de menos interessante acabam por ser as próprias personagens. O Capitão Nascimento, casado e esperando um filho, acha que é o momento certo para a retirada. Está cansado, e a mente começa a ceder. No entanto, não quer abandonar sem ter a certeza de encontrar alguém com qualidades para o substituir. E as qualidades são ser frio, profissional e impiedoso. Neto (Caio Junqueira) e Matias (André Ramiro) são os candidatos para lhe suceder. Neto tem a mentalidade de uma máquina de matar, mas falta-lhe a inteligência. Matias tem a inteligência, mas falta-lhe a mentalidade. No geral são personagens sem densidade, que apenas estão lá para servir um papel e pouco mais, o que interessa á a acção.

Outro dos problemas é que o filme não tem uma mentalidade tão aberta quanto isso. Mostra a tomada de posições e o uso da violência dos BOPE como inevitável, e quem ataca esta posição é visto como um idealista mimado que nem sequer sabe o que é a vida nas ruas. Não me parece que seja uma decisão propositada do realizador ou que seja um espelho da sua opinião pessoal, mas uma vez contada a narrativa do lado da policia, o extremar de posições é difícil de evitar. Alias, essa é uma das principais características dos BOPE. Num país onde nada funciona, são obrigados a tornar-se autómatos para sobreviver, num processo onde o discernimento tem de ficar pelo caminho. Guerra é guerra.

Não se trata de uma continuação de "Cidade de Deus", mas tem algumas semelhanças. O tipo de edição, o ritmo, o ambiente de favela e mesmo alguns dos profissionais, entre eles o co-argumentista, são os mesmos. Mas Tropa de Elite é muito mais obscuro e fatalista. A música é pesada, a simbologia parece tirada do Rambo. Não há personagens simpáticos ou com um fundo bom. Entre polícia e bandido, a diferença não é assim tanta. Em certos pontos, o filme é portentoso e põe-nos o coração a bater mais forte, puxa-nos para a espiral de violência. Nós próprios, como espectadores, damos por nós a perder o discernimento. Não considero que glorifique a violência nem ela se torna no mais importante, é apenas a única solução. Quem for para a sala de cinema de mente aberta e deixar as ideias feitas do lado de fora, arrisca-se a uma agradável surpresa. Não está ao nível de "Cidade de Deus", mas é sem dúvida um dos melhores filmes do ano. A não perder.

Classificação: 7/10

domingo, 17 de agosto de 2008

O Estado Mais Quente




Título Original: The Hottest State
Realização: Ethan Hawke
Ano: 2007


Baseado num romance escrito pelo próprio Ethan Hawke, The Hottest State é a segunda longa-metragem da sua carreira, depois do falhado "Chelsea Walls". Se o livro - segundo rezam as crónicas, porque não o li - era pouco recomendável, o filme não se pode ficar a rir. É mais um exemplo de que por vezes não vale a pena mexer no que está quieto, ou se quiserem, insistir no que nasce torto. Ethan Hawke não foi da mesma opinião e insistiu neste projecto pessoal. O resultado é um filme sem alma e sem substância, que a certo ponto torna-se mesmo aborrecido e repetitivo. É verdade que não é das piores coisas que anda pelas salas de cinema, mas não deixa de ser uma perda de tempo.

A história não tem muito que se lhe diga. William (Mark Webber) é um jovem aspirante a actor que abandonou o Texas com a mãe (Laura Linney) quando era criança. Fruto de um amor passageiro, fica sem qualquer contacto com o pai (Ethan Hawke), que permanece no Texas. Sara (Catalina Sandino Moreno) é uma latina que sonha em ser cantora. Contra a vontade da mãe (Sonia Braga), abandonou a sua cidade para estar sozinha e seguir o seu objectivo. Os dois vivem em Nova Iorque e apaixonam-se logo no início Como se trata de uma obra semi-biográfica, William é a personagem central. É pena, não porque Sara seja uma personagem mais interessante, mas porque pelo menos é bem mais gira. Voltando ao assunto, a primeira parte do filme assemelha-se a um drama adolescente. Quando tudo parece estar a correr às mil maravilhas entre os dois, inclusive com perspectivas de casamento, Sara decide que já não quer continuar a ver William. Nada que se possa condenar, até porque naquela altura já nem eu queria ver mais William. A partir daqui perde-se o tom de leveza e o filme afunda-se mais depressa que o Titanic.

O principal problema é que tudo soa a falso. O amor entre os dois não convence, as situações são forçadas, os diálogos vazios e insignificantes. Tudo fica ainda pior no momento da separação. Depois de uma viagem de sonho ao México, onde os dois passaram praticamente o tempo todo a fazer sexo e a declarar juras de amor, Sara diz a William que não pode estar com ele porque necessita de fazer a vida sozinha, ou algo que o valha. Simplesmente não faz sentido, ou se faz o filme não o mostra e devia. Quem está tão caída de amores como Sara precisa de uma razão mais forte para acabar a relação, que desse maior consistência ao drama. Assim sendo, se ela desse como motivo não gostar dos bifes de peru que William cozinha, a coisa não mudava muito.

É provável que algumas das relações entre jovens de 20 anos tenham este tipo de problemas de imaturidade, mas ao passá-los para o grande ecrã é preciso mais qualquer coisa. Não existe nada que nos faça aproximar das personagens, perceber os seus motivos, sofrer e rir com elas. Pelo contrário, são-nos mostradas como pretensiosas e falsas. Desta forma, não interessa absolutamente nada aos espectadores se eles acabam juntos, separados, divorciados ou solteiros. O que queremos é que acabe rápido, mas nem isso acontece. O filme estica-se por cerca de 1h50m completamente escusados, já que a história se contava facilmente em metade do tempo.

Depois da separação, William assume ainda mais o papel de protagonista. Angustiado, não aceita a decisão de Sara e tenta a todo o custo recuperá-la, na sua forma mimada e irritante. Sem surpresa, as tentativas desesperadas acabam sempre em frustração e sofrimento. Ainda vai ao Texas procurar o pai e os dois falam um pouco, mas não percebi bem a intenção que o levou a fazê-lo. Do que me lembro acho que queria que o pai lhe desse conselhos sobre como lidar com as mulheres, mas se calhar não era bem isso. O que acontece com o pai acontece também com todas as personagens secundárias: não se percebe o que estão lá a fazer, porque a verdade é que não estão a fazer nada.

Os planos no Texas e um ou outro no México são bons, a banda sonora é fantástica. Sónia Braga tem uma participação pequena, mas entra provavelmente na melhor cena do filme, um jantar dolorosamente estranho. Confesso que não fiquei nada convencido com a performance de Catalina Sandino Moreno, mas dou-lhe o benefício da dúvida porque o guião não ajudou em nada.
Actor de primeira, começo a suspeitar que Ethan Hawke não tem o dom para a realização. Nada de grave, não se pode ser bom a tudo.

Classificação: 2/10

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Toda a Gente Diz Que Te Amo




Título Original: Everyone Says I Love You
Realização: Woody Allen
Ano: 1997

Usando um eufemismo, os anos 90 podem não coincidir exactamente com a melhor fase de Woody Allen. O que não quer dizer que os filmes dessa época não sejam brilhantes, são é um bocadinho menos que os anteriores . Desde "Manhattan Murder Mystery", passando por "Bullets Over Broadway" e este Everyone Says I love You, todas estas obras dos anos 90 valem a pena ser vistas, nem que seja só por uma vez. Tudo bem, não estão ao nível de "Annie Hall" ou "Hannah and Her Sisters", mas analisando bem, o contrário é que seria de estranhar. Nem todos os filmes têm de ser feitos para serem obras de arte que marcam a história do cinema e nem ninguém, por mais talento que seja, é capaz de o fazer. Woody Allen sabe-o bem.

Musical ao estilo clássico mas adaptado para o mundo moderno, Everyone Says I Love You é um filme leve e romântico sobre o amor nas suas mais variadas formas. Quando estão alegres, ou tristes ou melancólicas ou apaixonadas, as personagens desatam a cantar os sentimentos para toda a gente ouvir. De uma forma inocente e até tocante, despejam o coração em canções às quais se junta ainda o humor típico de Allen e o background habitual de uma Nova Iorque neurótica de classe média-alta.

A história é labiríntica. O filme abre com um muitos apaixonados, Holden (Edward Norton), a declarar o seu amor a Skylar (Drew Barrymore), ao som de"Just you, Just me". Os dois pretendem casar-se. Joe (Woody Allen) é um escritor a viver em Paris que colecciona relacionamentos falhados. A sua ex-mulher, Steffi (Goldie Hawn), e o seu marido actual, Bob (Alan Alda), ficam com a difícil tarefa de o confortar de tantas desilusões e de lhe tirar da cabeça a ideia do suicídio. A narradora da história é D.J. (Natasha Lyonne), filha de Steffi e Joe. D.J. é uma sonhadora que pensa descobrir o verdadeiro amor em cada novo namorado que arranja. E ainda temos as filhas do relacionamento de Steffi e Bob, Lane (Gaby Hoffmann) e Laura (Natalie Portman), que estão apaixonadas pelo mesmo rapaz; e o filho, Scott (Lukas Haas), um republicano ferrenho numa família de democratas.

Confuso, não é? Dito assim, é um bocado, se virem o filme, nem por isso. De coração partido, Joe decide ir de férias com a filha, D.J., para Veneza. No meio de tanto afogar mágoas, Joe conhece Von (Julia Roberts), e volta a apaixonar-se. Através de D.J., cuja mãe da melhor amiga é, por coincidência, psicóloga de Von, Joe tem acesso a informações sobre os desejos e gostos de Von. Usando as informações para seu proveito, aproxima-se de Von e faz com que ela se apaixone também por ele. Claro que tal farsa e imoralidade não podia dar grandes resultados a longo prazo, e num piscar de olhos Joe está sozinho de novo. Entretanto, Skylar apaixona-se perdidamente por um prisioneiro, Charles Ferry (Tim Roth) que a sua mãe lutou para tirar da prisão. No entanto, Charles não está tão reabilitado quanto isso.

Mas chega de falar na história. O importante é apreciar os momentos belos e hilariantes que levam a este desenrolar dos acontecimentos. Com excepção de Drew Barrymore, todos os actores usam as suas vozes nos números musicais. Enquanto uns se safam bem, outros têm boa voz para escrever à maquina, mas nem isso os faz silenciar. Não importa cantar mal, o essencial é sentir o amor. Ao mesmo tempo que levanta as questões existências normais em Woody Allen, é tudo tratado com a leveza de uma brisa e prevalece o sentimento de bem-estar e paz.

Os one-liners, para não variar, são de rir e chorar por mais. O filme não é perfeito, mas também não tem intenções de o ser. O tom e o ambiente que cria estão no ponto certo, e a cena final entre Steffi e Joe, recordando os velhos tempos, é um tratado sobre como fazer bom cinema, como gerir os tempos até um clímax cheio de beleza. A simplicidade é a chave, e o no fim do filme saímos com o coração acesso e liberto para o amor. Para os românticos e não só.

Classificação: 8/10

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Michael Clayton




Título Orginal: Michael Clayton
Realização: Tony Gilroy
Ano: 2007

Michael Clayton marca a estreia na realização de Tony Gilroy, mais conhecido na indústria pelos seus dotes como argumentista - é ele o responsável pela escrita da trilogia Bourne, entre outros filmes menos afamados. Mas ao contrário dos filmes de Bourne, aqui a acção é pausada, pensada, mais nervosa no interior. Os ambientes são obscuros, nocturnos e tensos. Quando nos apercebemos que é um thriller, já o thriller vai mais que a meio. Até esse ponto, estamos entretidos com o lado humano das personagens, os seus fantasmas, os seus remorsos. Os diálogos são reduzidos a pouco mais do que o essencial, cada olhar e gesto das personagens é estudado para criar suspense, para fazer crescer o incómodo. Não há uma única cena de acção onde a velocidade seja o essencial, não há correrias nem tiroteios no meio da rua, não há a tensão do género "desactiva a bomba mesmo no último segundo". Ainda que tenhamos direito a uma explosão de um carro e a um homicídio encomendado, até esses momentos são filmados de forma crua e lenta.

Michael Clayton, interpretado por um brilhante George Clooney, é um advogado que trabalha para uma importante firma de advogados, em Nova Iorque. Mas Michael não é um advogado qualquer, ele actua nas sombras, nos bastidores. Trata da roupa suja com o máximo de descrição, e é óptimo no que faz. Como o próprio afirma durante o filme, não é um milagreiro, é um zelador. Escusado será dizer, trabalha numa fronteira muito ténue da moralidade, e é esse o principal tema do filme: a ganância, a mentira, o vale-tudo empresarial e até que ponto as personagens estão dispostas a vender-se.

Michael é influente e poderoso, veste-se elegantemente, conduz um Mercedes, tem uma aparência perfeita. Mas nos seus olhos nota-se o medo e o desgaste de uma vida de farsas. Na vida pessoal, as coisas não vão muito melhor. Divorciado, viciado no jogo, falido e com dívidas até ao pescoço, fruto de um investimento falhado num restaurante, afunda-se nos seus próprios erros. Marty Bach (Sydney Pollack) é o chefe da empresa que Michael representa, e Arthur Edens (Tom Wilkinson) é um dos sócios e um dos melhores advogados. Quando Arthur perde a postura e quem sabe um pouco da saúde mental, acabando nu pelo parque de estacionamento uma reunião com a empresa que representa e os queixosos, é Michael que é chamado para tratar do assunto o mais rapidamente possível.

Arthur, durante seis anos, foi o advogado de uma empresa de químicos agrícolas chamada U-North, envolvida num processo por vendas de químicos perigosos que resultou na morte de algumas pessoas. Enquanto o processo se arrastar sem resolução, a U-North está satisfeita. Mas quando Arthur se vira contra a própria empresa que representa, os seus responsáveis, especialmente Karen Crowder (Tilda Swinton), ficam nervosos. Consumido pela culpa e apaixonado por uma rapariga pertence a uma família de queixosos, Arthur não parece disposto a voltar a vender a alma. Para mais tem nas suas mãos o memorando que, sem margem para dúvidas, mostra que a U-North é responsável pela venda deliberada de produtos perigosos para a saúde.

Michael está preso num dilema moral. Por um lado, é amigo de Arthur e a sua consciência começa também a pesar-lhe, mas por outro lado necessita desesperadamente do emprego para saldar as dívidas que contraiu. A própria Karen, cerebral e por isso num cargo de topo na U-North, não sabe como reagir. Sempre com um olho mais aberto nas personagens do que na acção em si, vemos como reagem ao desenrolar de uma história que a certo ponto foge ao controlo de todos.

Num filme que se baseia muito na tensão que vai criando gradualmente, é nos actores que está o segredo da grande parte do sucesso que o filme obteve. Tom Wilkinson, Sydney Pollack, Tilda Swinton e principalmente George Clooney têm, cada um a seu jeito, interpretações fantásticas, dando uma densidade às personagens que se baseia nas expressões e pequenos esgares. É o thriller empresarial reinventado por Gilroy, só que aqui é tudo mais humano, o fascínio nunca existe, o dinheiro que rola nos bolsos de Michael não é tanto quanto isso e o glamour desaparece depois de um ou dois minutos de filme.

O final podia ter sido melhorzinho, mas aceita-se bem. George Clooney, depois de “Good Night, and Good Luck”, "Syriana" e "The Good German" volta a dar-nos mais uma demonstração de que está disposto a afastar-se dos pré-fabricados de Hollywood, em detrimento de filmes onde realmente tenha uma palavra a dizer e um papel a desempenhar que não apenas o de ter o nome na ficha técnica para vender bilhetes. Bom entretenimento, inteligente e um espelho da sociedade moderna, Michael Clayton não é obrigatório, mas é sem dúvida um filme que não vão querer perder.

Classificação: 7/10

sábado, 2 de agosto de 2008

Três Tempos




Título original: Zui hao de shi guang
Realização: Hou Hsiao-Hsien
Ano: 2005

Hou Hsiao-Hsien, realizador Taiwanês com carreira iniciada por volta do fim dos anos 70, é um dos nomes mais sonantes do cinema asiático contemporâneo e mesmo do cinema mundial. Pouco conhecido por estes lados, onde nunca teve grande divulgação, estrearam durante este ano, assim de rajada, os seus dois mais recentes filmes nas salas nacionais: O Voo do Balão Vermelho, de 2007, e Três Tempos, de 2005. Confesso que me incluía no grupo dos que conhecia Hsiao-Hsien só pela reputação e pelas maravilhas que dele me contavam, e foi por isso com grande expectativa que encarei a estreia destes dois filmes. Mas depois de ter visto Três Tempos, perdi toda a vontade de ver O Voo do Balão Vermelho ou outro filme qualquer que ele tenha escrito ou realizado.

Nem sei bem por onde começar a falar deste Três tempos. Correndo o risco de ir contra a opinião de muitos críticos e apreciadores do estilo de Hsiao-Hsien, ver este filme até ao fim foi uma das experiências mais entediantes que tive numa sala de cinema. Já nem me lembro da última vez que me deu uma vontade tão grande de sair porta fora, de estar a ver o filme da sala ao lado, de ter deixado a panela ao lume. Tenho por hábito ver os filmes até ao fim e este não foi excepção, mas posso garantir que apenas uma pequena parte das pessoas será capaz de aguentar até à última cena.

Mas vamos começar pelo princípio. O filme conta três histórias de amor em três tempos diferentes, utilizando sempre a mesma dupla de actores: Qi Shu, que para quem não percebe nada de Chinês é nome de mulher, e Chen Chang, que é o homem. As histórias passam-se, respectivamente, em 1966, 1911 e 2005. Tirando o facto de serem todos aborrecidos em graus diferentes, estes três segmentos pouco têm a ver uns com os outros, quer em termos de estilo, cenários e principalmente ambientes.

A primeira parte, em 1966, é sobre um homem que se apaixona por uma empregada de um salão de bilhar, mas que por azar tem de regressar para o serviço militar. Ele promete escrever-lhe, e assim o faz, mas quando regressa descobre que ela já não se encontra na mesma cidade, e parte em viagem à procura da amada. É tudo muito lento, a câmara está estática na maior parte das vezes e para mal dos nossos pecados ainda somos obrigados a assistir a jogos de bilhar intermináveis. É suposto ser uma simples história de amor, o resultado é um tédio de primeira. Diálogos é quando o Confúcio faz anos e na esmagadora maioria do tempo estamos a ver acções do dia-a-dia, como varrer ou andar de bicicleta, onde literalmente não se passa nada. Não há um sentimento escondido, não há um objectivo, é simplesmente pessoas a varrer ou a andar de bicicleta.

E se acham a primeira parte má, é só porque ainda não viram a segunda. Passada em 1911, Hsiao-Hsien teve a brilhante ideia de substituir as falas por cartões com legendas das falas, género filmes mudos ou Bucha e o Estica, que meia volta ainda dá na Rtp2. Se na primeira parte não se passava nada, aqui não se passa nada elevado ao quadrado. É realmente doloroso atravessar esta segunda parte. A falta de diálogos audíveis leva quase ao desespero. A banda sonora, que toca sem uma única interrupção - um piano intercalado com umas músicas horríveis cantadas por uma das actrizes -, é do tipo não mata mas moí que mais para o fim nos leva à demência. Quanto à história em si, confesso que nem percebi muito bem. Tem a ver com amor e mete para lá mais umas tretas, mas também não interessa ao pai natal. Sem dúvida alguma, o mais fraco dos segmentos.

A terceira parte é, mas bem de longe, a melhor. Estamos em 2005, na confusão urbana. Jing (Shu Qi) é uma jovem que mantêm uma relação homossexual, ao mesmo tempo que vai para a cama com um fotógrafo que a persegue. Incapaz de escolher, cambaleia entre estes dois lados. Pela primeira vez, no desenrolar das três histórias, os dois actores principais beijam-se e até vão por aí adiante. Hsiao-Hsien consegue mostrar com eficácia a vulnerabilidade de Shu Qi perante uma cidade que não pára, que não dá tréguas. A beleza de Shu Qi faz o resto. Os diálogos continuam reduzidos ao mínimo e as cenas longas e sem grande objectivo também cá andam, mas parecem fazer um bocado mais de sentido. Por este último segmento, quase vale a pena a ida ao cinema. O que se calhar não quer dizer que seja assim tão bom quanto isso, mas que as outras duas partes foram tão más que até se nos pusessem o Adam Sandler à frente, ele ia parecer o Woody Allen

Em termos visuais, o filme é brilhante. O problema é que isso pouco interessa quando não há uma narrativa que o sustente. É um filme artístico, para ser apreciado dentro de um pequeno círculo que ali consegue ver algum significado ou retrato brilhante sobre o amor ou o que quiserem. O diálogo e a própria acção são meros acessórios para a construção da fotografia e das imagens, que parecem ser o verdadeiro interesse de Hsiao-Hsien. Se forem apreciadores deste estilo, aconselho vivamente. Se, como eu, não tiverem pachorra para tiques e maneirismos estilísticos de objectivo nulo e mensagem muito dúbia, afastem-se o mais que puderam.

Classificação: 1/10