quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O Estranho Caso de Benjamin Button




Título Original: The Curious Case of Benjamin Button
Realização: David Fincher
Ano: 2008


Líder nas nomeações para os Óscares e um dos grandes favoritos para conquistar a estatueta dourada nas principais categorias, "Benjamin Button" era um dos filmes mais esperados deste início de ano. Com um realizador de topo ao comando e um elenco de luxo ao seu dispor, nada fazia prever que as expectativas geradas em seu torno caíssem em saco roto, mas foi exactamente isso que aconteceu. Vazio de significado e previsível desde o primeiro minuto, tenta adquirir contornos de épico dramático, mas nunca consegue chegar perto da consistência necessária para o fazer. Quando se projecta um filme para atingir altos voos, corre-se o risco de este nem sequer sair do chão. Parece ter sido este um dos principais problemas de "Benjamin Button", já que a forma acaba por sobrepor-se ao conteúdo e no final, depois de tudo bem espremido, apercebemo-nos que a "laranja" tem muito pouco sumo para nos dar.

Benjamin Button (Brad Pitt) é, como ele próprio nos diz, uma criança que "nasceu sob circunstâncias curiosas". Invertendo o ciclo normal de vida, nasceu velho caquéctico e vai ficando mais jovem com a passagem do tempo. Confrontado com esta condição, tem de aprender a conviver com o envelhecimento das pessoas que ama, enquanto o seu corpo rejuvenesce a cada dia que passa. Desde muito cedo desenvolve uma relação íntima com Daisy (Elle Fanning e, mais tarde, a lindíssima Cate Blanchett), que por razões desconhecidas se apaixona desde criança por Button, mesmo tendo em conta que ele estaria na casa dos 70 anos nessa altura. Esse amor, claro está, vai-se desenvolver ao longo do filme e atinge o apogeu quando os dois, a caminhar em direcções opostas, se encontram finalmente na mesma faixa etária.

Só que a história falha em conseguir cativar o interesse do público. A simples premissa faz com que a relação entre Button e Daisy pareça sempre um pouco forçada, o que se torna ainda pior quando é evidente que o amor entre os dois é o principal motor da narrativa. Para além disso, Button é uma personagem excessivamente passiva. Se o mundo desabar à sua volta ele limita-se a contemplar o desastre. Aceita o seu destino com uma resignação digna do Dalai Lama, não tem um único momento de dúvida ou de revolta. É emocionalmente oco, sem objectivos ou interesses que o individualizem. Define-se unicamente pelo seu processo de rejuvenescimento, e isso é muito pouco para encher mais de duas horas e meia de filme. É muito difícil importarmo-nos com o seu destino trágico, se nem ao próprio Button isso parece preocupar.

Mas se em termos dramáticos as falhas são mais que muitas, visualmente não existe nada a apontar. David Fincher empregou o seu enorme talento na criação de imagens e cenários perfeitos, com recriações meticulosas das várias épocas que atravessa. É uma obra visualmente imponente, a piscar o olho à tentativa de realização de um épico grandioso, cuja própria duração é testemunha. O problema está quando procuramos o que está por detrás das imagens. Vindo de David Fincher, responsável por filmes tão negros e obscuros como "Seven" ou "Fight Club", não era de esperar uma viragem tão acentuada para o lado sentimental. Esperemos que "Benjamin Button" seja apenas uma excepção no caminho.

O argumento é da autoria de Eric Roth, baseado numa história original de F. Scott Fitzgerald. Para quem não conhece Eric Roth, foi o responsável pelo argumento de "Forrest Gump". E as semelhanças são indisfarçáveis, com a utilização do mesmo género de realismo mágico. Se Forrest Gump teve a sua piada, "Benjamin Button" encontra-se por diversas vezes no território da lamechice primária. Os dois filmes centram-se nas experiências de uma personagem central inadaptada e inocente, que por circunstâncias diversas percorre meio mundo e depara-se com aventuras inesperadas, isto enquanto aproveita para aprender meia dúzia de lições de vida inspiradoras e melancólicas. Em "Benjamin Button" a vida pode não ser como uma caixa de chocolates, mas garanto-vos que não anda muito longe (a tagline é "You never know what's comin' for you"). A fórmula é a mesma, mas aqui está velha e gasta.

E no final invade-nos a sensação de que andamos às voltas, às voltas, e não chegamos a lado nenhum. Sobram os pormenores de realização e o fantástico trabalho de caracterização de Brad Pitt e Cate Blanchett. É um filme que consegue não aborrecer muito, mas de um favorito aos Óscares espera-se que seja mais que isso. E de certo que pouca gente terá vontade de o rever no futuro.

Classificação: 4/10

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Antes Que o Diabo Saiba Que Morreste




Título Original: Before the Devil Knows You're Dead
Realização: Sidney Lumet
Ano: 2007

May you be in heaven half an hour... Before the devil knows you're dead. É com esta simples frase, um velho provérbio irlandês, que o filme abre. E logo aí prepara-nos para o que se segue: um relato cru e adulto sobre relações familiares turbulentas, onde todos são capazes de tudo para atingir os seus objectivos. Aqui não existe um segundo pensado para as complacências, os amores indestrutíveis ou as amizades duradouras. Mas sobram enganos, mentiras, violência (física e psicológica) e discussões. Tudo tem um preço. É a espécie humano no seu lado mais negro. Aos 83 anos, Sidney Lumet demonstra-nos que velhos são os trapos e que a idade continua a ser, mesmo nos dias de hoje, um posto. Para quem pensava que por estas bandas já nada de novo podia surgir, desengane-se. Antes Que o Diabo Saiba Que Morreste é, sem dúvida, um dos melhores filmes do ano passado.

Andy (Philip Seymour Hoffman) e Hank (Ethan Hawke) são dois irmãos que, por razões diferentes, atravessam um período complicado na sua vida. No entanto, a solução para os seus problemas é simples e está identificada: necessitam de dinheiro. Andy, um poderoso executivo, passa os dias a consumir droga num apartamento de luxo em Manhattan. Quem não tem dinheiro não tem vícios, mas deixar os luxos e a droga de lado parece estar fora de questão. Hank, por seu lado, não consegue simplesmente pagar a pensão mensal da filha. Os seus recursos financeiros são muito inferiores aos de Andy, assim como parecem ser as suas ambições. Perante a pressão da ex-mulher para saldar as pensões em atraso e a dificuldade em admitir perante a filha que não é capaz de lhe pagar seja o que for, tem de arranjar rapidamente uma forma de surgir com o dinheiro. No meio está Gina (linda, linda, Marisa Tomei), mulher de Andy que mantém um caso com Hank.

É neste contexto que Andy, frio e calculista, surge com uma ideia imoral, mas aparentemente inofensiva: assaltar a joalharia dos pais. Com o seguro a cobrir por completo as perdas do assalto, todos ficariam a ganhar. Andy, a mente por detrás deste esquema, consegue convencer Hank, inseguro e frágil por natureza, a alinhar com o seu plano. Ambos conhecem bem como a joalharia funciona, as suas debilidades e a melhor hora para proceder ao assalto, para além de que não iriam utilizar armas. Infalível na teoria, um desastre na prática. Hank (o "bébé da família") volta a deixar que os medos o dominem e arranja um amigo para fazer o assalto por ele, que acaba num banho de sangue e na morte da mãe. Agora, o pai (Albert Finney ) promete não descansar até encontrar os responsáveis. A partir daqui Sidney Lumet vai deixando de lado o thriller e concentra-se no melodrama familiar, pesado e intenso como só os melhores sabem fazer.

O filme não tem uma estrutura narrativa linear. Os momentos antes e depois do assalto são apresentados sobre o ponto de vista das personagens envolvidas, com vários saltos e recuos na história. É verdade que esta escolha nada traz de especialmente inovador ou atractivo, mas permite-nos perceber melhor os sentimentos das personagens, os seus ódios recalcados e principalmente como cada uma delas reage perante as adversidades. O argumento, da autoria de Kelly Masterson, sabe por onde e para onde nos quer levar. Actores de qualidade superior como Seymour Hoffman, Ethan Hawke, Marisa Tomei e Albert Finney fazem o resto.

A partir da morte da mãe, os dois irmãos são obrigados a conviver com o remorso e a culpa, ao mesmo tempo que procuram desfazer-se das provas que os podem ligar de alguma maneira ao assalto. Conforme o mundo de ambos se desmorona, torna-se trágico assistir ao que são capazes para se protegeram, como o desespero os leva aos limites. Lumet cria cenários minimalstas e aparentemente imaculados, como o apartamento de Andy ou do seu dealer. O ambiente perfeito para representar ligações familiares onde tudo é fantástico à superfície e podre no interior, onde qualquer um se comporta como um chefe da máfia russa.

Antes Que o Diabo Saiba Que Morreste agarra-nos desde o primeiro minuto e permanece no nosso pensamento muito depois de rolarem os créditos finais. Com um toque clássico e paciente, vive sobretudo das fantásticas performances do seu elenco. Não necessita de perseguições, explosões, gritarias ou pancada velha para manter um ritmo elevado e a tensão no limite. Um silêncio ou uma expressão pode ser tão violento como um berro. Sidney Lumet tem idade para o saber bem. Nós agradecemos que assim seja. Cinema deste calibre até dá gosto. Se ainda não viram, só posso dar um conselho: vão a correr.

Classificação: 8/10