quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Fome




Título original: Hunger
Realização: Steve McQueen
Ano: 2008


Cruel, violento, perturbador. Assim se descreve em poucas palavras a estreia de Steve McQueen, conceituado artista plástico britânico, na realização. "Hunger" conta a história das últimas semanas de vida de Bobby Sands (Michael Fassbender), membro do IRA que, em 1981, liderou uma greve de fome em protesto contra as políticas de Margaret Tatcher relativamente aos movimentos independentistas da Irlanda do Norte. Mistura de ficção com documentário, é um relato poderoso e incómodo sobre a vida na prisão de Maze, onde o ódio de décadas e o medo são os sentimentos reinantes entre guardas e prisioneiros. Ao contrário da abordagem de outros filmes sobre o mesmo tema, Steve McQueen não se preocupa em entrar em derivações políticas ou em análises profundas sobre a validade dos argumentos de ambos os lados da luta. Limita-se a mostrar, sem artifícios ou embelezamentos, a brutalidade de um conflito onde a razão há muito foi deixada de parte.


"Hunger" não segue uma estrutura narrativa clássica, é um filme artístico e experimental que se divide claramente em três actos ligados por uma mesma realidade. De estrutura rígida e minimalista, Steve McQueen reduz o diálogo ao essencial e é o fulgurante ambiente visual que, por si só, funciona como motor da história. É através deste método que começa por nos mostra as rotinas de um guarda-prisional (Stuart Graham), que incluem submergir os nós dos dedos em água para sarar as feridas de espancar prisioneiros, ou procurar bombas debaixo do carro para se assegurar que tal comportamento não o torna a próxima vítima do IRA. Entretanto, acompanhamos também dois prisioneiros que, como forma de luta pelo não reconhecimento do estatuto de prisioneiros políticos, recusam-se a manter a higiene pessoal e utilizam os próprios fluidos corporais para pintar as paredes da cela.

É só após esta visita ao dia-a-dia na prisão de Maze que encontramos a personagem principal, Bobby Sands, no momento em que é arrastado para uma banheira onde um guarda o esfrega com uma vassoura, acabando a sua resistência por provocar uma rixa com uma violenta intervenção policial. Aqui começa a segunda parte do filme, que se estende num fabuloso plano-sequência de aproximadamente 10 minutos, onde Sands dá a conhecer as suas intenções de levar a cabo a greve de fome ao padre Moran (Cunningham). Esta é a cena central e fulcral de "Hunger", cheia de energia e vivacidade, embora a câmara se mantenha intocável. Numa obra quase sem diálogos, é nesta conversa sobre a validade ética do acto desesperado de Sands que percebemos um pouco sobre as motivações dos intervenientes e as bases ideológicas do conflito.

A última parte centra-se na impressionante decadência física e psicológica de Bobby Sands. Com imagens chocantes, para ser simpático, assistimos ao lento tormento de um homem consciente de que, para se manter fiel à causa, só a morte lhe resta. O filme, despojado de qualquer tentativa de romancear os acontecimentos, não tenta tornar Sands um mártir ou um herói. No entanto, concorde-se ou não com o protesto, é impossível deixar de sentir respeito pela forma como, no meio de tamanha insanidade, Sands e muitos outros homens nunca deixaram de lutar e foram capazes de se sacrificar pelo que acreditavam ser justo. Nesta fase, os espectadores já estão completamente embrulhados na história, e apercebemo-nos do quão importante e pessoal a disputa se tornou para ambos os lados do conflito, indisponíveis para ceder um milímetro que seja.

"Hunger" é um filme obrigatório e um dos melhores de 2008. Requer estômago e em algumas partes paciência, mas no fim é certo que vem a recompensa. Original e destemido, depois de uma primeira obra deste calibre só se pode augurar um futuro promissor a Steve McQueen. Com uma realização de inegável qualidade, engendra imagens brilhantes e ao mesmo tempo assustadoras, que conseguem a espaços representar a violência e a dor de forma quase poética. McQueen faz com que cinema bom e original pareça uma coisa simples. Basta não ter medo de arriscar, saber à partida o que se quer mostrar e a forma como o fazer. Por cá, ficamos felizes se continuar assim.

Classificação: 8/10

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