quarta-feira, 30 de julho de 2008

4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias




Título Original: 4 luni, 3 saptamâni si 2 zile
Realiazação: Cristian Mungiu
Ano: 2007


Recentemente, uma vaga de filmes oriundos da Roménia têm estreado nas salas de cinema nacionais e coleccionado prémios em vários festivais internacional. Do nada - e leia-se por nada a falta de uma indústria forte na Roménia capaz de suportar os investimentos -, deparamo-nos com um cinema novo, de qualidade e com vontade de fazer coisas diferentes. Assim que me lembre, temos "A Morte do Senhor Lazarescu", "12:08, a Este de Bucareste" e "California Dreamin' ". Mas o mais esperado deles todos é, sem dúvida, este 4 Meses, 3 semanas e 2 Dias. Com um apreciável cartão de visita (palma de ouro em Cannes em 2007), é um olhar realista e devastador sobre as experiências sofridas por duas amigas de modo a procederem a um aborto.

O filme passa-se nos finais dos anos 80. Sob a presidência de Nicolae Ceausescu e o seu regime comunista, a Roménia é um país frio, duro e retrógrada. Entre outros aspectos que o comprovam, o aborto era ainda uma prática ilegal. Otilia (Anamaria Marinca) e Gabita (Laura Vasiliu) são duas estudantes do politécnico que partilham um quarto no dormitório da universidade. Gabita está grávida, e com a preciosa ajuda de Otilia prepara-se para se encontrar com um homem num quarto de hotel que a vai ajudar a abortar. Nada de estranho, muito menos num país onde o mercado negro prosperava e tudo servia como moeda de troca. O que se segue é uma viagem de 24 horas ao absurdo, ao vazio, à indiferença e ao desespero.

O motor da acção não é Gabita. Durante todo o processo, é Otilia quem dá o corpo à luta. É ela que arranja o dinheiro, marca o hotel, se encontra com o homem responsável por fazer o aborto e no fim ainda tem de se livrar do feto. Gabita, por seu lado, não acerta uma. É incapaz de decidir uma única coisa pela sua própria cabeça e os seus actos negligentes afectarão sobretudo quem mais a ajudou, a própria Otilia. Cada vez mais enfiada no buraco que Gabita cavou, Otilia vai mostrando sinais de exasperação, mas nunca vira as costas à amiga. Quando se ausenta por um curto do período do hotel para comparecer no aniversário da mãe do namorado, percebemos que está fatigada de tudo o que a rodeia. Desde o namorado insensível, à amiga desmiolada por quem tem de assumir a responsabilidade e a uma sociedade suja que inferioriza os cidadãos, parece que tudo vai desabar nos seus ombros. Como se costuma dizer, é quando estamos no chão que toda a gente vem dar pontapés.

Cristian Mungiu não se preocupa em marcar uma posição ou deixar uma mensagem. Limita-se a mostrar-nos o que acontece de forma crua, na maior parte do tempo pelos olhos de Olivia. As personagens são mostradas sem pingo se sentimentalismo. Música, nem ouvi-la, só diálogos ou então, os silêncios. Não há preocupação nenhuma com planos bonitinhos, cortes só quando tem mesmo de ser e efeitos é na sala ao lado. Não é o realismo levado ao extremo (na minha opinião, ao exagero) como no caso de Pedro Costa, mas é um primo afastado. A forma como uma insinuação, o simples posicionamento da câmara ou aquele segundo a mais na duração das cenas provoca tensão é assustador e violento.

Na parte final o filme arrasta-se um pouco e perde aquela energia que nos faz estar a maior parte do tempo agarrados à cadeira. Tem dez minutos a mais, mas não é disso que nos lembramos quando saímos da sala. E a derradeira cena, com Gabita e Otilia no restaurante do hotel a combinarem nunca mais falar do que se passou naquele dia, é mais uma prova da qualidade do cineasta romeno. Ficamos divididos, sem saber se Otilia se arrepende da ajuda que deu a Gabita, ou se, por amizade, faria tudo de novo. E também não entendemos se Gabita, se a situação se inverte-se, faria o mesmo que Otilia fez por ela.

Depois de três palmas de ouro que me deixaram pouco convencido - Fahrenheit 9/11; L'Enfant e The Wind That Shakes the Barley -, finalmente uma obra que abre novos caminhos, totalmente merecedora do prémio. Só podemos esperar mais e melhor do cinema romeno, e pela amostra não vai demorar muito para termos mais exemplos da sua vivacidade. Também por cá este pode ser um bom exemplo. Não é impossível, mesmo com uma indústria pequena como a nossa e com orçamentos baixos, fazer filmes capazes de ombrear com os melhores no panorama internacional. Por muitas obras engraçadas que, é verdade, vão surgindo, ainda nos falta aquele filme capaz de catapultar o nosso cinema para outro patamar. Acredito muito no próximo filme de Marco Martins, mas vamos esperar para ver.

Classificação: 8/10

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Perto Demais



Título Original: Closer
Realização: Mike Nichols
Ano: 2005

Se o cinema fosse uma ciência exacta, era tudo bem mais fácil. Infelizmente para Mike Nichols, não é isso que sucede. Drama adulto sobre os relacionamentos modernos, com um quarteto de actores de luxo (Natalie Portman, Julia Roberts, Jude Law e Clive Owen) a dividir o protagonismo entre si, sendo que para bónus Natalie Portman ainda se farta de aparecer em trajes menores e Julia Roberts é um bocado para o oferecida, Closer parece prometer muito, não parece? Parece sim senhor, mas é aborrecido que se farta. Mike Nichols , mais conhecido do grande público pelo clássico "The Graduate", já devia ter idade suficiente para saber que quando se tenta fazer um filme todo espertalhão ou se tem muito cuidado ou está o caldo entornado. E em Closer o caldo entorna-se vezes sem conta até não haver mais caldo que sobre, chegando ao ponto de algumas das cenas se tornarem penosas de se assistir, tal o ridículo em que caem as situações e as próprias personagens.

Mas vamos pelo princípio: quando a primeira fala de um filme é "Olá, estranho", começamos logo a suspeitar que estávamos melhor a ver o jogo entre o Porto e o Illiabum na Rtp Memória, a contar para o campeonato nacional de Basquetebol de 1985. Alice (Natalie Portman), uma stripper americana, e Dan (Jude Law), um escritor de obituários, encontram-se por coincidência nas ruas de Londres e é amor à primeira vista. De seguida, já se passou um ano e Dan, escritor falhado, está prestes a publicar um livro sobre a vida de Alice. Esta é uma das características do filme, por cada meia dúzia de cenas temos um salto no tempo de cerca de um ano. A história é contada com inúmeras falhas no tempo, e por azar dá-nos sempre a ideia que o terá acontecido pelo entretanto tem de ser mais interessante do que o que estamos a ver.

Dan, durante uma sessão de fotografias, apaixona-se por Anna (Julia Roberts), a fotografa, que acaba por rejeita-lo. Dan, para a provocar, encontra Larry (Clive Owen) numa Chat Line sobre sexo e, no meio de uma conversa completamente depravada que dá direito a visitas diárias ao psicólogo para o resto da vida, marca um falso encontro para um sítio onde sabe que Anna vai estar. Esta partida, por meio de alguns embaraços, leva Larry para os braços de Anna. Depois é quase um vale tudo: jogos de traição, poder, sedução, amor ou o que mais lhe quiserem chamar. Mais ano menos ano, todos vão para a cama com todos, excluindo as relações gays. Amam-se, desamam-se, voltam a amar-se, a desamar-se e andamos nisto até ao fim.

Closer é uma verdadeira lição sobre como pegar em quatro actores fantásticos e reduzi-los a personagens obscenas e sem o mínimo interesse. Não sei se era esta a intenção, mas se era saiu brilhante. Custa-me eleger, das personagens, a mais perversa e badalhoca. Os diálogos são completamente irreais, com discursos articulados e pensados de gente de classe média-alta interrompidos por assuntos sexuais dos mais diversos que imaginem de 5 em 5 segundos. Tudo bem que é propositado, mas não convence mesmo nada. No meio de tanto engano e mentira, todos procuram o amor. Mas dito desta forma, amor até pode ser arroz de cabidela.

De vez em quando dá nisto, a tentativa de romper com o tradicional, de fazer análises acerca do comportamento humano e sua brutalidade, traz-nos obras completamente afastadas da realidade. Não entendemos as personagens, o que os faz mover ou se quer o que querem. A história é inexplicável, e com tantas voltas e reviravoltas, não lembra a ninguém. Com excepção da banda sonora, de um ou outro momento de maior inspiração pessoal nas interpretações, um ou outro diálogo com piada, tudo se espalha ao comprido. Ah, mas Natalie Portman, com aquelas roupinhas, está cada vez mais provocante. Não paga por pela hora e quarenta de sacrifício, mas é um bom atenuante.

Classificação: 3/10




sábado, 19 de julho de 2008

Into The Wild



Título Original: Into The Wild

Realização: Sean Penn

Ano: 2007

Um belo dia pegamos nas nossas trochas, metemos a mochila às costas, apanhamos um autocarro ou um comboio e vamos sozinhos e sem compromissos, à descoberta do mundo, sem prazo para regressar. O vento, a liberdade, a natureza. Quem é que nunca teve vontade de fazer essa viagem sedutora, principalmente entre os jovens? A diferença é que enquanto uns sonham, Chris McCandless (Emile Hirsch), no verão de 1990, fez-se à estrada. Into The Wild, baseado no livro homónimo de Jon Krakauer, conta a história verídica de um jovem americano de classe média que, desencantado com a sociedade, abandona a família, os bens, o dinheiro e a própria identidade para partir com destino ao Alasca. Durante dois anos, Chris percorre os Estados Unidos e encontra-se com várias pessoas pelo caminho até chegar ao Alasca, onde sem mantimentos nem auxílio acaba por morrer de fome e de envenenamento provocado por plantas não comestíveis.
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Sean Penn, mais habituado a trabalhar à frente das câmaras do que na realização, é também famoso por ser um espírito livre, avesso à celebridade e crítico de muitos aspectos da política e da sociedade. É notória a paixão com que filma Chris, o fascínio que a história lhe provoca. E como é tudo real e não tem cá de se fingir nada, sai natural. Num filme longo e irregular, a vitalidade e paixão com que Sean Penn filma é mesmo o seu ponto mais forte.

No início, conhecemos Chris antes de encetar a viagem. Acabado de se graduar com uma excelente média, tem um futuro promissor pela frente, com grandes possiblidades de entrar na universidade de Harvard. Mas nem tudo vai bem na cabeça de Chris. Idealista por natureza, não lhe interessa a carreira, o dinheiro ou os bens materiais, e tudo o que consegue ver pela frente é a hipocrisia das pessoas e a artificialidade da sociedade. Só nos livros e nos autores famosos consegue encontrar algum conforto ou sentido na sua existência. Torna-se um alienado, por escolha própria. A relação com os pais, presos num casamento de fachada, é extremamente conflituosa. Chris não os entende nem o porquê de continuaram juntos, e nem ele nem a irmã saíram psicologicamente impunes às inúmeras discussões que ocorriam em casa.

Numa decisão que parecia já tomada há muito tempo, Chris parte com destino final ao Alasca, simbolo da verdadeira vivência solitária com a natureza, os animais, o universo. Queima o dinheiro, parte os cartões de crédito e não dá justificações a ninguém sobre o seu destino. Nem mesmo à irmã, com quem mantinha um bom relacionamento. O que quer que a nossa consciência nos diga sobre se a atitude de Chris foi a mais correcta ou não, isso vai influenciar a forma como vemos o filme. Sean Penn falha em relacionar-nos com as razões da fuga de Chris, que é retratado como um miúdo mimado que considera que tudo está mal e só ele possui a chave para a pureza e para a verdade. Todos passamos por estas fases, mas a maior parte limita-se a inscrever-se num partido maoista qualquer, até a coisa passar.

Isto não quer dizer que não nos relacionemos com a personagem. Apesar de podermos não compreender o que o leva a tomar algumas atitudes, Emile Hirsch, com uma interpretação brilhante, faz com que seja impossível não gostarmos de Chris. No decorrer da viagem, encontra-se com personagens como Rainey e Jan (Brian Dieker and Catherine Keener), um casal de hippies parados anos 70, Wayne (Vince Vaughn), um lavrador de terras, e Ron (Hal Holbrook), um homem de idade avançado que perdeu a mulher e o filho durante a juventude e nunca mais conseguiu refazer a sua vida. Todos eles são, de uma forma ou outra, tocados pela presença de Chris, e todos eles o avisam para a tolice que é ir para o Alasca. Destes contactos alguns são bem conseguidos, com momentos de grande qualidade - como os proporcionados por Vince Vaughn. Noutras alturas, parece que estamos enterrados em pieguices e sentimentalismos até ao pescoço.

Se por um lado Sean Penn não se preocupa muito em ter um olhar distanciado para a experiência de Chris, mostrando-nos o fascínio da liberdade, é quando entra no territorio de procurar a tristeza num jovem perdido, sem rumo, e magoado com os pais que resulta melhor. Infelizmente, essa é uma parte pouco explorada e que, sempre que prometia chegar mais longe, era cortada por uma lamechice ou um cliché qualquer.

Com um trabalho de fotografia fantástico e alguns momentos que não lhe ficam atrás, Into The Wild consegue, a espaços, ser um bom retrato de como a vida pode ser gratificante no contacto com outras pessoas, e de como a procura de um lugar no mundo pode ser dura. No entanto, alonga-se por uns duros 148 minutos, muitos deles dispensáveis. Fosse mais equilibrado e tínhamos um filme para não esquecer tão cedo. Sean Penn promete, esperemos que da proxima cumpra.

Classificação: 6/10

terça-feira, 15 de julho de 2008

Contas à vida - 80´s Não Dês Bronca






Título Original: Do The Right Thing
Realização: Spike Lee
Ano: 1989

Para começar, só para que não sobrem quaisquer dúvidas, começo desde já por dizer que Do The Right Thing é uma obra-prima. E é uma obra-prima hoje, amanhã, ontem e há dezanove anos atrás, quando foi pela primeira vez exibido no festival de Cannes. Se houver um passo acima da obra-prima, este filme está definitivamente na linha da frente. É uma das poucas experiências cinematográficas que me deixou completamente arrasado, de boca aberta, sem saber muito bem o que tinha acontecido e o que tinha acabado de ver. Para alguém que acompanha muito cinema, sempre com grande sentido crítico, habituado a todo o tipo de esquemas e artimanhas para conquistar o espectador, não é algo fácil de se sentir. Quando acontece, podemos dizer que valeu a pena a espera. Apenas à terceira tentativa, Spike Lee tira da cartola um filme arrebatador e perturbante, atingindo um nível que nunca mais conseguiu - nem vai conseguir, arrisco eu - alcançar na sua carreira, embora obras como "Verão Escaldante" ou a "Última Hora" sejam também excelentes exemplos do seu talento.

Como o que é bom se topa ao longe, o inicio é logo genial, com um genérico ao som de "Fight the Power", dos Public Enemy. Logo aí, percebemos que algo de completamente diferente se vai passar. A acção tem lugar num bairro pobre de Brooklyn, durante o dia mais quente do verão. Mookie (Spike Lee) é um distribuidor de pizzas na "Sal´s famous pizzeria", cujo dono é precisamente Sal (Danny Aiello) , um italo-americano que se orgulha dos moradores terem crescido com as suas pizzas. Sal e os seus dois filhos são, juntamente com uma família coreana que explora um supermercado, os únicos que não são negros no bairro, mas como ali vivem à muitos anos, estão completamente integrados na comunidade: conhecem toda a gente, e toda a gente aprecia as suas pizzas.

Um dos filhos de Sal, Pino (John Turturro) é racista assumido e só pensa em sair de perto dos negros, enquanto o outro, Vito (Richard Edson), é mais acessível e tolerante. Quanto a Sal, é um homem prático que sente o bairro como seu e tem grande orgulho no seu negócio. Mookie é preguiçoso e leva pouco a sério o seu trabalho, mas é uma pessoa honesta e em quem Sal confia. Entretanto, conhecemos mais personagens do bairro, entre eles Da Mayor (Ossie Davis), um idoso que é uma espécie de instituição; Radio Raheem (Bill Nunn), sempre com estilo e sempre acompanhado por uma aparelhagem com o volume no máximo e Buggin Out (Giancarlo Esposito), um irritante e desmiolado defensor dos direitos dos negros.

Spike Lee apresenta-nos um pedaço da vida de mais um dia aparentemente normal na rotina destas pessoas, em que nada de particularmente especial parece acontecer. Cada um está entretido com as suas actividades, o animador da rádio local mete músicas e dá as dicas para escapar ao calor, as pizzas vão saindo a bom ritmo, a polícia faz a ronda normal. Contudo, conforme as horas vão passando e o calor aumentando, começa-se a sentir as tensões crescer, ódios antigos a surgir à superfície, um nervosismo no ar, e vêem-nos à ideia a imagem de um barril de pólvora, pronto a rebentar a qualquer altura. Do nada, de uma convivência à primeira vista saudável, surgem conflitos intensos que o passar dos anos só veio aumentar. E é nisto que o filme é brilhante, a maneira como sentimos nas nossas entranhas que do silêncio tudo vai explodir numa espiral de violência é assustador, e ao mesmo tempo excitante, causa desconforto, põe-nos no meio do bairro e faz-nos reflectir sobre onde está a razão.

E é numa discussão entre Sal e Buggin Out, sobre o facto de na parede da pizzaria não haver uma única fotografia de pessoas famosas negras, que os problemas se iniciam. Buggin Out, visto como pouco credível pela comunidade, organiza um boicote à pizzaria e rapidamente conta com o apoio de Radio Raheem, esse sim respeitado e ouvido. A iniciativa pega, os ânimos exaltam-se e no fim é o próprio Radio Raheem, personagem que durante todo o filme se mostrou dividido entre o amor e o ódio, que incita o conflito.

Para quem espera encontrar culpados ou inocentes, eles não existem. Ou se existem, todos eles o são. Spike Lee não escolhe lados, limita-se a observar com honestidade e alguma tristeza o estado de uma América que ainda hoje existe, estagnada no tempo e na condição social. O filme está longe de ser incendiário, ou carregado de ódio, e terá sido mal interpretado por aqueles que, em 1989, temiam que pudesse dar origem a confrontos raciais. É um retrato cruel sobre como, muitos anos depois da morte de Luther King e das manifestações dos anos 60, tudo continua mais ou menos na mesma, com a diferença da esperança ter desaparecido. Uma das cenas finais, entre Sal e Mookie, mostra bem o fosse existente entre classes, e embora compreendam os pontos de vista um do outro, não encontram maneira de os unir.

Não existem respostas correctas para problemas tão complexos, e no fim ficamos com um dilema ainda maior: entre o amor (propagado por Martin Luther King) e o ódio (propagado por Malcolm X), qual a melhor solução? Do The Right Thing é um daqueles raros casos em que se eleva o cinema a outro patamar. É mais que um filme, é um retrato de uma época que ainda não morreu, um grito de revolta, um apelo para que algo mude. Vê-lo faz-nos sentir parte de algo maior. Está cheio de pequenos pormenores e significados, é estilisticamente fabuloso, com cores, música e movimento, ao mesmo tempo que consegue regressar sempre ao realismo do conto social.

Se visto hoje é tudo isto e ainda mais, basta imaginar que foi feito em 1989 para nos apercebermos do significado e da dimensão que atingiu. Acabo com a frase de abertura do filme, dita por Mr. Señor Love Daddy (Samuel L. Jackson), o animador da rádio local, numa mensagem mais destinada para o público que para as personagens: WAKE UP!!!!!!


Calssificação: 10/10



sábado, 12 de julho de 2008

The Savages



Título original: The Savages
Realização: Tamara Jenkins
Ano: 2007

Não é preciso inventar nada: se na mesma equipa contamos com Kaká e Cristiano Ronaldo, é pô-los a jogar e a vitoria é certa. Em The Savages acontece o mesmo: com Laura Linney e Philip Seymour Hoffman nos papéis principais, o resultado só não é brilhante se o resto da equipa se esforçar muito para que isso não aconteça. Realizado por Tamara Jenkins - primeira longa-metragem depois de um período de paragem de quase dez anos -, é um retrato cru e realista sobre a velhice, a decadência e as marcas deixadas por uma infância infeliz. Com um toque de comédia trágico que custa a passar na garganta - como há muito não me lembrava - a história é sempre intensa e mantêm-se coerente, mesmo nos momentos em que poderia balançar para o facilitismo. Tamara Jenkins recebeu como prémio a nomeação para o óscar de melhor argumento original. Embora não tenha estreado nas nossas salas nacionais, The Savages é um filme obrigatório que aconselho a adquirirem, independentemente do meio que escolham para o fazer.

Wendy e Jon Savage (Laura Linney e Philip Seymour Hoffman, respectivamente) são irmãos que passaram por uma infância complicada, com um pai agressivo e uma mãe ausente. Na casa dos 40 anos, os dois ainda guardam marcas profundas desse período que não conseguiram deixar para trás, contando com inúmeros problemas emocionais. Wendy vive em Nova Iorque e mantêm um caso com um homem casado, Jon vive em Buffalo e recusa-se a casar com a sua namorada polaca, que necessita de um visto para não ser obrigada a sair do país.

Sem conhecimento do paradeiro do pai, Lenny Savage (Philip Bosco), e pouco preocupados com o assunto, são surpreendidos por uma chamada de Sun City, informando-os da morte da namorada do pai. Incapaz de cuidar de si próprio, devido a um problema de senilidade, e sem mais ninguém interessado em o fazer, Wendy e Jon são obrigados a unir-se e assumir a responsabilidade, como única família que Lenny possui. Quem teve o azar de passar por uma situação deste tipo sabe bem o que se segue. Jon encontra um lar para Lenny em Buffalo, de modo a estar mais perto deles, e cada um tenta lidar com a situação da maneira que pode e sabe. Wendy não se conforma com o estado em que o pai se encontra, e tenta de todas as formas melhorar a qualidade de vida nos últimos tempos que lhe restam. Jon, mais frio e reservado, está menos disposto a perdoá-lo e vê o seu estado como irreversível. Pela linguagem corporal, compreendemos que quer que tudo passe rápido para regressar à normalidade. Empurrado por Wendy, vê-se relutantemente envolvido em actividades inúteis para tentar uma ligação, ténue que seja, com o pai. Lenny, mesmo demente, continua mal-humorado, mal-educado e irritado, ao mesmo tempo que consegue fazer-nos acreditar que, por muito mau que tenha sido para com os filhos, estes ainda se importam um pouco consigo.

O filme podia cair no sentimentalismo, com muito choro e profundas lições de vida, mas felizmente não contem com isso. Aqui não há vitimas nem culpados. Lenny não se procura redimir de nada do que fez no passado, tanto que tem grandes dificuldades em recordar-se onde se encontra no presente. Wendy e Jon, por muito afectados que a infância os tenha deixado, são responsabilizados pelos falhanços das suas vidas profissionais e afectivas. São os dois aspirantes a dramaturgos e vêem os seus esforços para conseguir uma bolsa de escrita da Guggenheim serem constantemente rejeitados.
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A pouco e pouco, Laura Linney torna-se o centro da narrativa. Embora seja uma actriz fantástica, é pena que Philip Seymour Hoffman tenha sido deixado para segundo plano, porque é um actor um bocado mais que fenomenal e tem, na minha opinião, a personagem mais interessante, misterioso e com mais margem de progressão. Sabe a pouco, e ficamos com a noção de que fosse Jon a assumir o comando, e não Wendy, o filme podia ser um caso bem mais sério. Jenkins concentrou-se mais nos sentimentos das personagens do que na construção de uma narrativa especialmente inspirada. Com o calibre dos actores disponíveis, e com os momentos que nos proporcionam, não se pode dizer que tenha escolhido mal. Isto apesar de às vezes parecer faltar alguma coisa, que nem sabemos dizer bem o quê.
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Se vão à procura de respostas, procurem noutro lado. Não há maneira correcta de lidar com assuntos tão delicados como a morte, a doença e a velhice. E lidar com medos pessoais depende apenas de cada um. Jenkins transmite-nos isso mesmo.
Comovente e duro nas doses certas, tudo nos soa a verdade e vivemos com as personagens a angústia das escolhas que necessitam de fazer e as pequenas vitórias do dia-a-dia. Não é perfeito, mas é um grande prazer.


Classificação: 8/10

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Luzes no Crepúsculo




Título original: Laitakaupungin valot
Realização: Aki Kaurismäki
Ano: 2006

Aki Kaurismäki é um realizador Finlandês, relativamente conhecido e apreciado dentro do circuito de pessoas ligadas ao cinema independente e de autor. Luzes no Crepúsculo fecha uma trilogia iniciada com "Nuvens Passageiras" (sobre o desemprego) e "Um Homem sem Passado" (sobre os desalojados), e tem como tema central a solidão. As personagens de Kaurismäki são seres absurdos, autênticos falhados, e infelizmente parece que os filmes não se ficam a rir. Não digo todos, porque para além deste só vi "Um Homem sem Passado", mas pela amostra não me arrisco a outra sessão onde o nome de Kaurismäki apareça envolvido, nem que seja como figurante. Como dizia a minha avó, à primeira todos caiem, à segunda caí quem quer e à terceira só caí quem é burro.

Se "Um Homem sem Passado" era muito estranho, mas conseguia ainda assim fazer sentido e ter uma certa piada, dentro do seu estilo, Luzes no Crepúsculo é simplesmente uma fantochada pegada. Espécie de film-noir com um look retro, melodrama pesado e expressionista, centra-se em Koiskinen (Janne Hyytiainen), um solitário guarda-nocturno de um centro comercial que tem o sonho de um dia abrir a sua própria empresa de segurança e elevar a sua miserável condição de vida. Gozado pelos colegas pelo seu feitio reservado, tem como única amiga uma vendedora de salsichas numa roulote, Aila (Maria Heiskanen), que se percebe estar apaixonada por ele. Até que um dia uma femme-fatale supostamente sensual, mas que na verdade parece ter enfaixado a cara na torradeira, Mirja (Maria Jarvenhelmi), mostra interesse em Koiskinen, que rapidamente fica completamente apanhado pela loira. No entanto, Mirja trabalha para uns mafiosos e é tudo um grande esquema para tirar o código de segurança do centro comercial a Koiskinen e roubar meia dúzia de jóias valiosas.

Quando isso acontece, Koiskinen é incriminado mas recusa-se a denunciar Mirja, embora saiba que foi ela que o tramou, e acaba por ser solto por falta de provas. Bom, agora é hora da vingança e deus queira que use a moto serra ou a rebarbadora, o Rambo ao pé dele vai parecer um menino e isto vai aquecer até escaldar, certo? Errado, ainda fica mais chato, não há vingança para ninguém e o filme alonga-se num teste cada vez maior há paciência até se chegar a uma sequência final completamente absurda (vá lá que só tem 77 minutos, mas garanto-vos que parecem muitos mais).

Kaurismäki mostra-nos uma Helsínquia miserável, fria e trágica, completamente diferente do bilhete-postal de uma das mais avançadas e organizadas cidades da Europa. Este acaba por ser o único ponto positivo do filme, mas até isso passado um bocado chateia e é elevado ao exagero. As paisagens desoladoras estendem-se sem que nada de interessante aconteça. Não há, durante os 77 minutos, uma única cara bonita no ecrã, e não estou a exagerar. Não sei, nem quero saber, onde é que foram desencantar aqueles figurantes, mas já vi muito boa gente no casal ventoso com um ar mais saudável e alegre.

E que dizer de Koiskinen? Ainda agora não consigo entender se tinha algum tipo de atraso mental ou apenas estacionou o cérebro em qualquer lado que agora de repente não se recorda. A certa altura, quando lhe perguntam como foi a sua estadia na prisão, responde qualquer coisa como: "Não podia sair, as portas estavam fechadas". E mais não disse. E a apatia com que recebe os azares que lhe vão acontecendo em catadupa candidatam-no a prémio Nobel da paz. Já para não falar da lamentável prestação do actor, Janne Hyytiainen, que não muda a expressão uma vez que seja, independentemente do sítio ou situação. Tudo bem que parece-me que a ideia era mesmo essa, passar a mensagem da inevitabilidade de uma vida em agonia, mas o que é demais...

É tudo lento, sem sentido, e mais absurdo que um Urso Polar em África. Como a vendedora de Salsichas, a única personagem relativamente normal no meio disto tudo, se interessa por Koiskinen, que não é capaz de dizer duas palavras seguidas que jeito tenha, é um grande mistério. Provavelmente, haverá quem consiga ver nesta obra uma fantástica reflexão sobre a condição humana, cheia de simbolismos, e uma crítica à sociedade moderna e mais blá, blá ,blá. Por mim, prefiro qualquer patetice do Adam Sandler, pelo menos não tem pretensões a ser mais do que uma forma de passar tempo. Se não forem virados para o género "intelectual", façam o favor de vos poupar a este massacre.

Classificação: 1/10

quarta-feira, 9 de julho de 2008

The Darjeeling Limited




Título Original: The Darjeeling Limited
Realização: Wes Anderson
Ano: 2007

Quinta longa-metragem de Wes Anderson, e quinta vez que o realizador repete a dose: uma dramedy ao estilo e temas que o caracterizam, com Owen Wilson e Bill Murray metidos ao barulho. Se Wes Anderson não fosse o talento que é, isto até podia chatear realmente uma pessoa, assim torna-se apenas levemente aborrecido. Não que queira tirar o mérito aos seus anteriores filmes, em especial Rushmore e o fantástico The Royal Tenenbaums, mas parece evidente que Anderson já teve melhores dias. Neste The Darjeeling Limited somos obrigados a dar o braço a torcer relativamente à qualidade técnica e visual que apresenta, mas quando isso em nada acrescenta a uma história manca e que falha na maior parte dos momentos em que tenta aproximar o espectador das personagens, não só vale de muito pouco como ainda faz soar o alarme da artificialidade e do pretensiosismo. É caso para dizer que às vezes mais vale ficar quieto.

Acompanhamos a viagem de três irmãos, Francis (Owen wilson), Peter (Adrien Brody) e Jack (Jason Schwartzman), que não se vêem à cerca de um ano e reúnem-se, por iniciativa de Francis, para atravessar a Índia de comboio. A ideia é voltarem a criar um laço emocional que entretanto se perdera com a morte do pai e a ausência da mão ao funeral. Francis planeia a viagem ao pormenor, com itinerários feitos pelo seu ajudante e paragens previamente delineadas com o objectivo de encontrarem, nem que obrigados, uma qualquer redescoberta pessoal nas suas vidas. No entanto, esta suposta jornada espiritual não corre tão bem como isso e surgem constantemente contratempos que deitam por terra os planos de Francis.

Os dois irmãos não parecem muito convencidos com esta história da jornada espiritual e só continuam a alinhar por insistência de Francis. Na verdade, qualquer um deles está mais preocupado com os seus próprios problemas: Francis recupera de uma tentativa de suicídio; Peter está aterrorizado com a ideia de ser pai dentro de cerca de um mês e tem problemas de cleptomania que parecem resultar do choque da morte do pai - durante todo o filme usa os óculos de sol graduados do pai, que lhe provocam terríveis dores de cabeça - e Jack foge de uma relação amorosa fracassada.

A mudança de cenário para a Índia é uma aposta ganha, dando o ambiente de um mundo estranho a quem por si só já se encontra desenquadrado, e o comboio onde viajam, o The Darjeeling Limited, oferece um interessante espaço claustrofóbico, e ao mesmo tempo imenso, capaz de desenvolver os dramas das personagens e obrigá-las a lidar umas com as outras. E é dentro do comboio que o filme tem mais energia e interesse, porque quando este pára para visitar as várias cidades e monumentos é quase como quando o Cristiano Ronaldo decide parar de jogar: a coisa fica feia.

O problema, como já referi, não está nos cenários nem tão pouco no estilo visual apelativo e minucioso de Anderson. O que falha redondamente é que, conforme o filme e os dramas correm pela tela, ficamos ali sentados sem sentir o mínimo de preocupação pelo destino dos irmãos e pelos rumos que escolhem tomar. Anderson parece ter-se preocupado tanto em encher as personagens de maneirismos que esqueceu-se de nos pôr ao corrente da situação em que estes se encontram. Fica complicado identificar-nos com alguém, tanto mais que nem chegamos a perceber como é cada um por detrás dos tiques que demonstram. Olhamos para eles como pessoas estranhas a precisar urgentemente de um psicólogo, mas não entendemos o que os perturba.

No entanto, não se pode dizer que ver o filme seja uma experiência entediante. Um ou outro momento desenhado para ser mais sentimental - como quando tentam retirar uns miúdos de um rio e um deles acaba por morrer - estende-se em demasia e só pedimos a todos os santinhos para que termine depressa, mas no geral acontece sempre algo capaz de nos entreter. Embora falhe como drama, nas partes mais inspiradas resulta muito bem como comédia e arranca umas boas gargalhadas. Wilson, Brody e Schwartzman conseguem boa química entre si e qualquer um deles consegue dar um ar apelativo às personagens.

No final, The Darjeeling Limited é um filme sobre reconciliação emocional, sobre como ultrapassar as dificuldades e deixar o passado lá atrás. Originalmente desenhado para ser simples e simbólico, não consegue nem uma coisa nem outra. Acaba por ser, isso sim, óbvio na resolução dos problemas e mais do mesmo no seu desenvolvimento. Vale a pena ver, se possível sem grandes expectativas à partida. Mas de um filme do realizador que nos trouxe "The Royal Tenenbaums", eu sei que não é uma coisa fácil de se pedir.

O filme é antecedido por uma curta-metragem de cerca de dez minutos, chamada Hotel Chevalier. Serve como introdução à personagem de Schwartzman e tem Natalie Portman mais ou menos como veio ao mundo. Não esperam nada mais bonito nem na curta, nem na longa. Neste caso o melhor não ficou guardado para o fim.

Classificação: 5/10

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Lars e o Verdadeiro Amor


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Título Original: Lars and the Real Girl
Realização: Craig Gillespie
Ano: 2007

Ryan Gosling é um dos mais promissores e talentosos actores da nova geração. Já o tinha demonstrado em Half Nelson - prestação que lhe valeu mesmo uma nomeação para os óscares - e se dúvidas houvesse, volta a prová-lo neste Lars e o verdadeiro amor. Filme independente que marca a estreia nas telas de Craig Gillespie, e com argumento da autoria de Nancy Oliver, conhecida pelas suas colaborações com Alan Ball na escrita de Sete Palmos de Terra, estamos perante um "feel-good movie", um "dramedy" daqueles que no fim nos fazem aquecer o coração e acreditar genuinamente que mesmo nas piores situações tudo vai correr pelo melhor.

A história é credível e tem óptimos diálogos e personagens, os actores secundários acompanham bem o ritmo, a realização, sem ser especialmente inspirada, também não compromete e tem o mérito de não ceder à tentação do facilitismo. Mas apesar disso, o verdadeiro espectáculo é mesmo Ryan Gosling.

Para quem olha para a lista de filmes em cartaz e lê a sinopse deste Lars e o verdadeiro amor, a coisa pode nem parecer prometer muito. Lars (Gosling) é um homem na casa dos 30 anos que, por circunstâncias várias do seu passado, se fecha cada vez mais no seu mundo. Tímido e incapaz de estabelecer relações com outras pessoas, inventa desculpas atrás de desculpas para evitar socializar com quem quer que seja. Até que um dia encomenda através da Internet uma boneca de silicone em tamanho real e anatomicamente perfeita, ou seja, com os "buracos" todos. Embora a sua função seja evidente, Lars convence-se de que a boneca, a quem chama Bianca, é uma mulher real e apresenta-a à família e à comunidade como sua namorada.

Lars leva Bianca para todo e lado e usa-a para suprimir a inaptidão social de que sofre. A conselho da psicólogo da terra, que considera inútil tentar dissuadir Lars da fantasia que criou, toda a comunidade concorda em tratar Bianca como se de uma pessoa normal se trata-se. E é aqui que o filme tem os melhores momentos. A inclusão de Bianca na vida social da vila, até chegar ao extremo de arranjar um emprego e ler para crianças num infantário, e a ternura com que as pessoas a tratam, preocupando-se com a sua aparência e bem-estar, provoco as situações mais surreais e divertidos da história.

Olhando para a premissa e para a maneira como se desenvolve, podíamos bem estar a falar de mais uma comédia de Sábado à tarde para ver entre duas sestas. Felizmente não é o caso, e é aqui que sobressai o talento dos envolvidos. Lars nunca nos é apresentado como um "maluquinho" com a cabeça virada para o Pólo Norte, mas como um ser humano que procura enfrentar as dificuldades da maneira que pode e sabe. Neste ponto Lars é como todos nós, e por isso acabamos por nos identificar com uma personagem que se envolve com uma boneca feita para o prazer sexual - quais as probabilidades de isto acontecer mais vezes?

A história desenvolve-se de forma lenta e despretensiosa, sem nunca cair no erro das soluções fáceis e dos diálogos demasiado sentimentais. Gosling, com uma performance a roçar a perfeição, nunca abandono o tom sereno e ligeiramente alheado da personagem, e nunca por um segundo nos faz duvidar de que Lars vê realmente em Bianca uma mulher real, de que tudo não é uma enorme encenação. O que por si só, se acontecesse, deitava o trabalho todo por água abaixo.

Lars e o verdadeiro amor tem uma pureza e honestidade que dão o brilho especial a um filme potencialmente banal. A certa altura perde um pouco da energia inicial e enrola sem sair do sítio, e também não se pode dizer que tem aquela "coisa a mais" que nos fazem recordar o filme durante muitos anos, mas nada que comprometa por aí além. É entretenimento inteligente, humano, surpreendente e capaz de nos recordar o valor da amizade e do amor. Que assim fosse a maior parte do cinema em cartaz.

Classificação: 7/10

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Contas à Vida - 80's ZELIG


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Titulo Original: Zelig
Realização: Woody Allen
Ano:1983
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Woody Allen é, sempre foi e sempre será um génio. Mas até a genialidade tem fases. Nos últimos anos, salvo uma ou outra excepção, o realizador tem vindo a brindar-nos com filmes de qualidade, digamos para ser simpáticos, duvidosa. Não que sejam maus de todos, porque ele não sabe fazer filmes maus, mas porque de quem é se espera bem melhor. Até que se chegou a um ponto em que, quando chega às salas um novo filme de Woody Allen, o cepticismo é maior que o entusiasmo. Mas nem sempre foi assim.

Na filmografia de Woody Allen, Zelig surge algures entre Annie Hall e Hannah e as suas irmãs, fase que coincide com o seu pico criativo. É um "mockumentary" passado nos anos 20 sobre a vida de Leonard Zelig (Woody allen), um homem "camaleão" com tão pouca personalidade que se tornou capaz de transformar a sua aparência e postura às das pessoas que o rodeiam, de modo a sentir-se integrado. Negro, obeso, chinês ou escocês, Zelig consegue adaptar-se.

Tudo no filme segue as orientações de um documentário tradicional, com depoimentos dos envolvidos, passagem de imagens de arquivo a preto e branco, fotografias e registos jornalísticos. E está tudo tão bem feito, dos depoimentos às filmagens, que se não fosse pelos acontecimentos caricatos que vão ocorrendo ao longo da história e pela sempre reconhecível cara de Woody allen, ninguém diria que era inventado. Zelig chega a aparecer ao lado de Adolf Hitler, num tipo de técnica igual ao usado em Forrest Gump.

Voltando à historia, Zelig desperta a curiosidade da comunidade cientifica, que apresenta as mais diversas explicações para o bizarro fenómeno. Num abrir e fechar de olhos, Zelig torna-se a atracção do momento em toda a América. Brinquedos, disfarces de carnaval e hits musicais hilariantes ("You may be six people, but I love you"; "Chameleon dance") são criados em referência à sua imagem. Só uma pessoa, a Dra. Eudora Fletcher (Mia Farrow), parece preocupar-se verdadeiramente em curar Zelig, mas mais para se tornar famosa do que por outro motivo qualquer.

Exibido como uma atracção do circo e utilizado como símbolo ora de coragem, ora de decadência dos valores ("um judeu que se transforma num negro e num Indiano é uma tripla ameaça"), Woody Allen crítica a forma como a opinião pública cria e destrói os seus ídolos com a mesma facilidade com que troca de camisa.

Como já nos habituou, Allen usa e abusa da ironia e dos one-liners como só ele sabe. Deixa-nos ainda com uma questão filosófica e psicanalítica em mãos, a que ninguém sabe dar resposta: por um lado, a falta de personalidade de Zelig torna-o incapaz de pensar por si, mas por outro lado é essa capacidade de integração nos mais diversos ambientes que o torna capaz de funcionar e de se integrar na sociedade. Qual das duas opções a melhor?

O formato documentário afasta-nos um pouco das personagens e coloca-nos distantes da história, como se esta fosse só um registo histórico. Mas nada que manche o resultado final.

Leve, divertido e inteligente, Zelig é um filme que nos faz ter saudades dos tempos em que de Woody Allen se tinha sempre a certeza de vir uma lufada de ar fresco. Em cada novo filme eu ainda acredito, porque quem sabe nunca esquece. Isto de fazer filmes, para mestres como Woody Allen, é mais ou menos como andar de bicicleta.


Classificação: 8/10


Inauguração

Será mais um blogue sobre cinema realmente necessário?

Claro que sim, nunca é demais falar de cinema. Criticas, comentários, e o que mais vier a propósito. O cinema a sete. Tudo vai passar por aqui.

Espero que gostem da viagem.